Tudo a ver...

04/07/16

Aprendi com minha mãe, moradora por um tempo de uma fazenda com gado, ser aguado o leite na época seca e mais encorpado em tempos de muita chuva. A natureza nos surpreende para em seguida parecer óbvia: quando a água é pouca preserve-se a hidratação do bezerro!

Sempre associei em minha fabulação a imagem da pobre vaca desnutrida pelo pasto ressecado, costelas à mostra e sedenta, talvez, mas com o úbere estufado cheio de leite ralo, com o adágio vindo dos sonhos de um faraó a evocar tempos de vacas magras e prometer tempos outros de pastagens exuberantes e vacas quase obesas.

Tenho visto por alto o noticiário deste país, à sombra do auriverde pendão balançado e beijado pela brisa enunciada e reavaliado a ideia daquele dito aforismático a insinuar um ir e vir como o das ondas do mar ou altos e baixos como oscilações senoidais, enfim, épocas de fartura intercaladas com o flagelo da escassez...

Nesse vago percorrer do noticiário, esbarro amiúde com sementes vivas de uma nova língua portuguesa, caídas a esmo dos escritos de solertes repórteres ou de algum editor mordaz a alimentarem a vasta malha universal de computadores interligados. Na internet, é fácil e imediata a publicação e, em muitíssimos casos, efêmera também.

Quinta-feira um amigo me alertou, contando seu espanto diante de um "tudo a ver" em peculiar "tortografia". Ouvi incrédulo o relato, mas os acontecimentos do cotidiano se precipitaram a apagar da memória o absurdo, perdido entre muitos outros vícios do mau uso da língua.

Ontem, domingo, saltou-me diante dos olhos o barbarismo citado pelo amigo e, apesar de o ter ali, ao alcance das mãos, custei a acreditar. Li e reli para me convencer e copiei a tela do computador, no afã de obter a prova. Ei-la:

cópia de tela do dia 3 de julho de 2016 às 9 horas, 23 minutos e um segundo
cópia de tela do dia 3 de julho de 2016 às 9h23min1s, publicado no portal G1, no "caderno de esportes".

Qual a relação entre o leite da vaca e a maneira de escrever? Tudo a ver!

Mon, 4 Jul 2016 21:41:05 -0300

E confesso que não captei o recado...

Desculpe minha ignorância...

      sem assinatura

O rapaz escreveu "tudo haver" em vez de "tudo a ver"...


Tue, 5 Jul 2016 09:15:43 -0300

Ótima!
Depois de duas reformas ortográficas, ainda me pego na dúvida com certas palavras. Acabei comprando
o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, principalmente por causa do bendito hífen, cujas regras
novas estão fora do alcance de minha compreensão (e aceitação! Dobrar o R ou o S pra tirar o hífen é demais...
Fica tão feio!)
Foi caro, mas que outro jeito? E ainda tenho dúvida sobre o acento diferencial
em pára (verbo), que não consta lá. Diabos, será que tem acento? Melhor não usar...
Bjs
Ana

Ana,

1. Meu pai tinha o VOLP. Não sei quem o herdou. Hoje estaria cheio de "erros". Uma informação que chega tarde: existe o VOLP online... você pode consultá-lo aqui.

2. A terceira pessoa do presente do indicativo do verbo parar perdeu o acento agudo. Assim como a forma cuja forma se ignora sem o circunflexo. A cada reforma o idioma se empobrece, em minha opinião. Abomino forma e para carecas...

3. Existe uma tabela sobre o uso do hífen aqui.


Tue, 5 Jul 2016 09:03:55 -0700 (PDT)

gostei muito
li a "tortographias" tbm

      sem assinatura

Para mim, a única reforma ortográfica do português aceitável seria tão radical que jamais aconteceria. Nela bastariam duas regras "constitucionais" - correspondência bi-unívoca entre som e caractere e a abolição de todos os acentos, cedilhas etc.


Fri, 22 Jul 2016 16:21:26 -0300

só li hoje. quer dizer que são tempos de vacas magras na língua portuguesa? de rala verborragia desprovida de sustança?
boa crônica,
bjs

      sem assinatura

Acabei achando uma grande bobagem minha. Está cheio de erros de português por toda parte. Outro dia havia erro na manchete principal do G1. Quis apontar, mas me exigiram cadastramento! Fiquem, com o erro, senhores!
Obrigado.

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