desenho de Lu Guidorzi

berro - a parte inútil da vaca
Publicação esporádica destinada a perder-se como berro de vaca que,
todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

O beijo proibido

09/04/07

Em um filme ouvi de novo, da boca de uma mulher linda, a frase: "Eu topo tudo, menos beijo na boca". Em "Uma Linda Mulher", Julia Roberts explica: "É por isso que eu não beijo na boca..." Em mil histórias mil prostitutas repetem "tudo, menos beijo na boca".

Soa como desfio de eterna Esfinge à compreensão do mistério chamado mulher. Ser que encanta e seduz o homem e o enche de temor e objeções. A que traz vida e a alimenta e, feita da mesma matéria, dele tanto difere. Quem de nós, homem, se entrega e diz: tudo, menos beijo na boca?

A imagem - imaginação? - de um beijo roubado, da boca beijada à revelia - viola-se a alma, a pureza, um ideal? - me evoca outra, da Africana que, diante da lente, depressa cobriu o rosto, alheia ao próprio corpo nu. Acreditava que a foto da face lhe roubaria o espírito. (Simbolicamente, quem é um corpo sem cabeça? Já, a cabeça decapitada fala, vê, escuta e... beija.)

 a partir de sobras da internet
modelo em de embalagem de carne. (no original, para uma 
campanha vegetariana. a partir de sobras da internet.) 

Como saber, em devaneios desvairados, em que momento furtivo a prostituta tomaria nos braços o Cristo morto para o beijar? Ainda que fosse a prostituta arrependida, redimida de culpa e santificada? A prostituta que, em código e mistério, é oferenda de tudo, menos beijo na boca.

Jamais decifrarei o mistério. Talvez por isto, em mim, homem, o desafio de entender o enigma feminino busca um paralelo, um equivalente ao sacrossanto beijo proibido. Em vão. Talvez não haja paralelo masculino para tal.

Por um momento, pareceu ser certa misoginia, específica e aguda, recente, que percebo em mim. Depois, minha admiração absoluta pela Mulher no que tem de mais mulher, pelo feminino pleno - mãe e instinto e força a brotar da terra. Por fim, o encanto e o encantamento com que algumas mulheres, poucas, é verdade, bem poucas são capazes de enfeitiçar, e se apossar do âmago de um homem.

Nada, no entanto, equivale à entrega da matéria em defesa de um imponderável imaterial, de que o beijo é símbolo - "eu topo tudo, menos beijo na boca".

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