auto-retrato [1987]

Uma lenda

18/11/10

Ouvi, há uns treze anos mais ou menos, ter a mensagem eletrônica, o popularíssimo e-mail, uma história sublinhada pelo romance. Teria surgido em uma universidade norte-americana, quando os computadores mal engatinhavam e poucos tinham visto uma daquelas máquinas do futuro, para possibilitar a um professor de física trocar mensagens com uma de suas alunas, cuja classe ficava em outro prédio. Apaixonados, o tal professor criou a base dos protocolos usados ainda hoje para gerenciar o tráfego de bilhões de mensagens de e para quase todas as partes do mundo, seja entre enamorados ou entre bandidos. Na certa também reis e grandes ditadores usam da mesma forma este serviço universal e absolutamente gratuito.

Assim como respirar, que nem notamos de tão acostumados com a troca de gases entre pulmões e o meio exterior, o serviço de mensagens eletrônicas já se tornou paisagem, como se sempre tivesse estado aí, infalível em levar e trazer uma palavra amiga ou a maldade em mil disfarces ou as indefectíveis correntes ou o que quer que seja, com presteza, eficiência e uma quase absoluta infalibilidade. Transporta imagem, música, voz, filme. Só falta podermos nos meter no envelope virtual e nos remetermos a algum outro fim de mundo sem o ônus da fila, da espera, do meio do caminho, do trecho tortuoso ao destino final.

Com esse teletransporte tão sonhado e tão improvável, o professor de física da lenda, também impossível de comprovar, poderia ter-se materializado quantas vezes quisesse diante da amada para um aperto de mão, um beijo furtivo, ou aspirar mais forte o perfume da aluna - haveria de ser bela, quem a pode imaginar feia e megera? - ou se olharem nos olhos na conversa muda e profunda dos "ternos olhares cruzados" que, como explicou Rui d'Aurélio, "são corações que se beijam".

Se vivo, Rui d'Aurélio faria hoje 102 anos.

|home| |índice das crônicas| |mail| |anteriorcarta1366 carta1367 carta1368

2455518.77782.1063