de esporadicidade imprevisível

Vãs cogitações

01/08/18

De repente me pergunto se o tempo piora todas as coisas. Um bebedor, ao lado, logo caçoa enquanto eleva seu copo para deleitar-se com reflexos na tonalidade dourada de seu uísque a contraluz. Em outra mesa, outro bebedor escolhe uma safra de vinho de muitos anos atrás. Esfacela-se com essa taça minha incipiente cogitação.

O murmúrio dos detalhes, porém, insiste no rumor de mais ruim. Lembra? - questiona uma sombra do passado - e a memória de ontem avulta-se com aparência de muito melhor. A voz indistinta dos fatos balbucia cautelosa: são pequenas coisas, uns quase nadas que deixaram de ser como eram para reaparecer um pouco pior...

Bobagem! Nem mesmo é possível estabelecer uma comparação. O que foi já não é mais, impossível tomá-lo para avaliar qualquer relação. Em verdade, cotejamos um fato (atual) com uma ideia, meras palavras a reavivar o que deixou de ser. Não era por outro motivo que um mainá, personagem de Aldous Huxley, em seu "A Ilha", repetia com filosófica monotonia: aqui e agora.

As noites escuras da Antiguidade seriam melhores que o espetáculo das noites repletas de neons de New York, apresentadas com orgulho a Einstein para, segundo se conta, provocar o comentário: lindo espetáculo para um analfabeto? Os sonos bem dormidos nos ciclos naturais de claro-escuro, afirmam, fornecem ao cérebro os hormônios melatonina e dopamina, essenciais ao bem-estar, à sanidade física e mental.

Além das noites claras das cidades, fabricamos telas, bilhões de telas de todos os formatos e dimensões a nos bombardear os olhos furiosamente para nos entreter com ficções, imagens a simular uma vida que não o é. Somamos à falta de hormônios a falta da vivência física, material.

Retorno assim ao espírito nos copos e taças, enriquecidos pelo correr do tempo, apenas para brindar a Vida: tim-tim!

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