Verdades subjetivas

28/08/97

Joãozinho entrou tropeçando no tapete e perguntou: Pai, quem inventou o telefone? Não sei, meu filho. Vamos ver na enciclopédia, tá bom? O pai ligou o computador e foi pegar o cederrum. Há uma enciclopédia que dão de brinde, quando alguém compra um computador, uma espécie de chicletes da informática - vai de troco. Todo mundo que tem computador, tem. Em poucos minutos, o pai do Joãozinho já fazia pose de sabido: Bell, meu filho, foi o grande Alexander Graham Bell, em 1876. O grande, ali, saíra por uma espécie de automatismo, ligado a outro Alexandre. E você, preciosa e impar leitora de toda cada manhã - sabe quem inventou o telefone? Já correu à enciclopédia para se certificar?

O bom menino tomou nota de tudo, agradeceu ao pai e, tropeçando no tapete, saiu correndo pra a escola, À tarde, Joãozinho entra em casa arrazado. Mais do que as escoriações generalizadas, a mãe do Joãozinho ficou comovida pelo abalo moral do guri. Pouco a pouco a verdade emergiu: quando a professora perguntou quem tinha o nome do inventor do telefone, deu o maior pau. Na hora do recreio, ele e o Marcelo, começaram a discutir sobre os pais - ah, mundo machista, quero dizer o pai de um e o pai do outro. Acontece que o pai do Marcelo tinha tido exatamente a mesma idéia e foi ver, também no computador, na mesma enciclopédia chiclete e, estava lá: quem inventou o telefone foi Meucci, um italiano, que apresentou o primeiro protótipo em 1854, registrou, em 1871, documentos preliminares de patentes, nos Estados Unidos e morreu pobre.

Dona Sabrina cala - não está entendendo mais nada! Nos dois casos, a enciclopédia consultada era a mesma, da firma do senhor Bill Gates. O pai do Marcelo, no entanto, arrumou a sua na Itália, parece que veio no kit do hotel. Agora, o mais fantástico. Minto. O mais fantástico vem depois. Por ora, esta constatação: na enciclopédia do senhor Gates, os fatos não são fatos. Cria-se a lenda necessária de acordo com a vontade do freguês! Agora, o mais fantástico: o homem mais rico do mundo acha isso normal, diz que é muito natural e recomenda a prática, a seus pares: "É uma lição que muitas editoras farão bem em aprender nos anos vindouros... "

No dia 9 de abril de 1997, escreveu em sua coluna - ah, de que adianta ser o homem mais rico do mundo se não puder desfilar suas lantejoulas e plumas por aí? - escreveu o senhor Bill, textualmente: "A realidade pode ser subjetiva, como estou descobrindo à medida que nossas equipes editoriais criam versões modificadas da enciclopédia, dirigidas aos diferentes mercados mundiais."

Não é sensacional? Pouco importa o que uma coisa seja ou deixe de ser. Coloca-se lá a informação que vai vender mais enciclopédia e muda-se essa informação conforme a freguesia. No mesmo artigo, explica que o mesmo ocorre, por exemplo, em relação à invenção da lâmpada elétrica. Para os americanos - sei minha, amiga, sei que deveria dizer norte-americanos... ela foi inventada, simultaneamente, por Edison e Swan. Já, a versão feita para a Inglaterra e Reino Unido, ensina que Swan antecedeu Edison. Diante dos fatos, e apesar de toda subjetividade eventualmente implícita, a minha sugestão é que, na versão brasileira, quando houver, poderiam dizer que foi a Marquesa de Santos, quem a inventou. Nessa altura dos acontecimentos, tanto faria, também, dizer-se que a nobre e casta mulher inventou o telefone, a lâmpada elétrica ou os dois. Do ponto de vista dos marqueteiros, os chamados profissionais do marketing, poderia ser uma bela tacada: além que conquistar o mercado brasileiro, pegava, de quebra, o das feministas, atribuindo a invenção a uma mulher. Se a realidade pode ser subjetiva... por que não?

 

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