crônica do dia

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Vero, Veríssimo

Veríssimo, o filho, faz mais uma crônica cheia de sábia observação e deliciosa como sempre. Chama-se Pequeno Macaco, título tirado do suposto apelido da neta de um também suposto conde Roche-Petard. A menina pareceria mesmo um macaquinho em suas travessuras e a simples menção de seu apelido num país remoto, teria acabado por provocar a morte de um imperador e uma luta fratricida, com direito a intervenção da ONU e demais ritos de praxe...

Bem, este é o final da crônica onde desfilam inúmeras situações similares. Onde um pequeno incidente do cotidiano, um gesto corriqueiro, é capaz de provocar um encadeado de ações ligadas por causa-efeito, que levam a alguma catástrofe ou feito heróico... A "moral da história" vem em destaque naquilo que os jornalistas chamam de "olho da matéria" - aquela frase que aparece em corpo bem maior, colocada quase como ilustração no meio das colunas. Diz: "Você está decidindo a vida dos outros."

O cronista procura explicações racionais, o encadeamento de ações e reações, onde cada efeito é justificado por uma causa cristalina. No entanto, se diminuíssemos um pouquinho a visão umbilical que temos de nós mesmos, não seria preciso provar nada: o fato de que estamos a cada instante decidindo as vidas, a nossa e a de todos os outros, seria óbvio, ululante até, diria o outro... Bastaria olhar para ver.

Igualmente óbvio é o que chamo de visão umbilical: ver as demais pessoas, a natureza, a estrutura da sociedade, o mundo, tudo como satélites de seu próprio euzinho... (Como isso vai ME afetar? Que proveito isso ME traz? Como EU posso lucrar com isso? O que que EU tenho a ver com isso?)

Ia dizer que acho até muito natural, uma vez que só podemos saber de nossa própria consciência... mas paro. Que sei eu, de fato, sobre a consciência e o chamado inconsciente? Ou sobre o que podemos, ou não, saber. As coisas se complicam quando tento falar, com minha visão limitada e os antolhos que me tolhem, em nome de uma humanidade onde se incluem os seis bilhões que hoje vivem e um número desconhecido dos que já viveram mas, apesar de mortos, ainda nos fazem também, a todos nós...

De um modo geral tenho notado que, digamos, quando a atitude de um político me irrita particularmente, é porque aquele modo de agir existe também no fundo de mim! O comportamento dele funciona como uma espécie de espelho e não gosto de me ver ali - daí minha irritação. Já lhe aconteceu, dona Sabrina? Já esbarrou com você mesma justamente naquelas pessoas que mais lhe incomodam ou, fazem e dizem coisas que chegam a lhe causar repulsa? Acontece...

Por isso, imagino, é que se diz ser tão fácil criticar. Falaríamos de algo que conhecemos muito bem, pois estaríamos falando do que mora em nossas entranhas e nos cutuca e incomoda. Apenas, fazer as coisas mais fáceis trocamos o sujeito: falamos das outras pessoas, dessa sociedade, do ser humano, do país - o "nosso" ou o "dos outros" - falamos do que se tornou um símbolo, conhecido por todos, que pode ser facilmente entendido por qualquer um... É o time de futebol, a reunião de políticos, de poderosos, os que se destacaram ao cantar músicas ou matar pessoas, o rosto perfeito que provoca o desejo no sexo oposto... Na verdade, quando fazemos essa críticas estamos falando com profundo conhecimento de causa, pois discorremos sobre aquilo que conhecemos muito bem, do fundo de nós...

De repente, você percebe que está fazendo para seu filho, mutatis mutandis, o mesmo discurso que, na noite anterior, lhe pareceu um absurdo, um horror, na boca daquele político na televisão... Pior, você percebe que a entonação e até o gestos não pertencem a ele nem a você - são patrimônio da humanidade, é um "bem" coletivo.

Vero, verissimo, Verríssimo.

 

 

Publicada em 10 agosto de 1998

 

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