Sim, ele voltou, me acordou antes do despertador, às 6 e 25, sobressaltada com a estranha luz que invadia meu quarto e que já tinha quase esquecido como é que era... Às 7 e 15, quando saí de casa pra levar a filha na escola, tive certeza, como todo ser humano sem carro, Internet, telefone, luz elétrica, torneira, privada, papel, letras, linguagem: é ele que é deus, é o sol! E a nítida impressão de que a minha rua, as casas, a lagoa, o morro, a cidade toda, era outra lugar, eu tinha amanhecido em outro planeta, um mundo de transparência, luminosidade, só de coisas vivas, muito vivas, impossível não se deixar inundar de puro prazer de viver. Planos para o novo dia neste novo mundo se aceleram: caminhar na praia, secar as toalhas fedidas lá fora, lavar pilhas de roupa, soltar o gato, varrer a calçada e perder pouco, pouquíssimo tempo com os olhos na tela. Botar os olhos na terra. no céu. na areia. no morro, no garapuvu (sabe o que é isso?), nas gralhas azuis que logo vão estar comemorando o admirável mundo novo, no mar. viva o sol, o sol da nossa terra, vem surgindo... aqui, é de dentro do mar, lá na linha do horizonte, brotando das águas do Atlântico, e não de trás da linda serra... Aliás, um leve vento sul e nuvens sobre o mar, visíveis do alto do morro, ameaçam mudar tudo. Mas, enquanto seu lobo não vem... viva o sol...



Mima Kubrusly




(Trecho de e-mail recebido em 02/10/97, publicado com autorização da autora)



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