Já houve um slogan aqui, foi banido.
Fernanda
17/11/17
Impunha-se pelo inusitado. Com frequência nos cruzávamos nas calçadas de Copacabana e, até mesmo no supermercado, mas não nos conhecíamos, não nos falávamos e o código mudo de anonimato vigorava a reger o convívio obrigatório de transeuntes em uma grande cidade. Sua morte, bárbara e cruel, a colocou em definitivo nos noticiários e levou o responsável pela investigação a declarar: Investigamos se o crime foi cometido para promover uma "limpeza social". O anonimato de pedestres, muitas vezes a se cruzarem em bairros superpovoados quase como anchovas de um imenso cardume, mantém a bolha psicológica de proteção de cada indivíduo e cada um segue em frente com as palavras de sua mente ou de seu fone de ouvido ou de seu telefone ou..., alheio ao outro, ao próximo, ao ser humano a seu lado. Fernanda, como disse, se destacava por um modo incomum de viver e ser, sempre cercada por imensas sacolas - sua casa, pensei muitas vezes, e me perguntava também como conseguia se deslocar com tamanha carga -, pelo jeito quase de cigana de se vestir e pintar sempre com muito exagero seu rosto marcado pelo sofrimento de quem vive nas ruas. Chamá-la pelo nome põe fim ao anonimato mas, infelizmente, foi a notícia de sua morte que me informou seu nome, com sobrenomes e uma pequena história de quem teria sido e de como acabara vizinha, a morar tão próximo e tão distante. Outra noite, sob uma marquise, aqui na esquina, dois jovens transbordando testosterona, também eles moradores das imediações, por alguma razão ou bebedeira, atiraram contra Fernanda, matando-a, sem mais nem menos com uma bala no peito. Não cruzaremos mais com a figura esguia de Fernanda, cercada de sacolas por todos os lados, como ilha a abrigar o clamor contra o fosso intransponível entre rico e pobres, entre muito ricos e miseráveis. |
Fri, 17 Nov 2017 23:23:53 -0200 que coisa horrível e que crônica linda!!! sem assinatura Obrigado. |
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