Foto de 10 de maio de 2009

A echarpe

14/12/16

Oprime-me o peito um não sei quê. O mal mal compreendido me encurta o respirar, me aperta os lábios e, acredito, até me tolda o olhar - a visão periférica se obnubila em uma angústia indefinida a sublinhar todo sentir.

Saio, meio perdido, como se em busca de uma explicação. Imagino a crise amplamente noticiada a transbordar nas calçadas e procuro nos semblantes a ir e vir, nestes em especial, mais fáceis de ver, algum sinal dela, malgrado não a saiba ao menos definir.

Tudo em vão. Os rostos vão e vêm anônimos, cansados, sim e sem sorrir, mas neles nada sugere um "eis a crise". Volto para minha toca por uma Copacabana com ruas superlotadas, calçadas abarrotadas e difíceis de trafegar entre pedestres, carrinhos, cadeiras, bicicletas e camelôs.

Por trás, pisam-me a sandália, à frente obstrui-se-me a passagem e por toda parte persiste o inconfundível cheiro deixado pelos moradores de ruas. Intriga-me por que não se lavam pelo menos no mar...

De volta, acena-me um lenço de seda pendurado, entre outros panos, em uma janela da vizinhança. Lenço de seda, não, deve ser uma echarpe, larga e muito longa de coloração arroxeada com reflexos dourados. Seu esvoaçar é belo, seu aspecto, vulgar.

Em uma das pontas, uma etiqueta branca põe por terra o romantismo das echarpes de seda esvoaçantes sob sopros diversos. Dos outros tecidos no mesmo varal, um ou dois também se agitam à brisa com suavidade e graça, a sugerir a leveza incomparável dos fios produzidos pelo bicho-da-seda.

Larvas (lagartas) de um certo tipo de mariposas (Bombix mori) produzem casulos (pupas) onde se transformarão em insetos adultos feitos com um único e longo (mais de um quilômetro) fio de seda, muito fino e muito resistente.

Echarpes esvoaçantes me lembram O Pequeno Príncipe, principalmente pelos encantadores desenhos de Saint-Exupéry...

imagem da internet

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Wed, 14 Dec 2016 10:01:15 -0200

que lindo, Clode.
"carpe diem"

      sem assinatura

Que bom existir quem goste!
Tenho, de fato, sentido aquela opressão.
Os tempos têm sido difíceis para a maior parte das pessoas.
Obrigado.


Wed, 14 Dec 2016 12:11:40 -0200

nossa!, que deslumbramento seu texto me traz!!!!! apesar de me transportar (como todas as suas descrições) para o caos do dezembro em Copacabana.
beijos,
Mima

Obrigado.
Apesar do caos e do excesso de gente, não me pareceu ver "a crise" nos rostos dos transeuntes...


Wed, 14 Dec 2016 13:43:32 -0200

       Adorei sua crônica.

       A descrição de toda a cena foi muito linda.

       me vi junto, andando pela rua, até visualizar a echarpe.

       Bj Brte

Querida Dedete,

Sua opinião me alegra, que bom que você tenha gostado.


Wed, 14 Dec 2016 18:27:40 -0200

.... bonitinha resolve voltar ao Pequenino... tudo se move, afinal...

      sem assinatura

Ao esvoaçar ao vento a echarpe se move cheia de graça...


Wed, 14 Dec 2016 15:44:09 -0800 (PST)

e a gente metido a vegetariano, sem matar nenhum animal, a usar seda,
matanca sem fim das larvas, das lagartas por vir
anonimo

É impossível viver sem matar...

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