|
A fotografia18/12/03A amiga me manda a fotografia. Há milênios, peguei o cacoete de olhar para uma fotografia e... dissecá-la, para um suposto benefício de um aprendiz. Fica automático. A gente entra na imagem e ela, aos poucos, se nos revela com pudor. Com pressa, é impossível desvelar seus segredos mais íntimos, suas palavras além do mero milhar. Vícios são vícios, podemos abandoná-los, mas eles jamais nos abandonam se formos verdadeiros viciados. Larguei o tabaco há quatro anos e três meses. Ainda tenho vontade de fumar. A boca torta denuncia o professor. A fotografia trouxe nota onde a amiga menciona certa beleza que já teria perdido e, na foto recente, contrapõe à realidade de hoje a de vinte anos atrás. Fiquei longo tempo a contemplar a foto alaranjada, com a cor característica da incompetência do filme fotográfico de se adaptar, como o olho-cérebro, a cor das fontes de luz artificiais. Nela, não existe pose nem afetação, mas um olhar franco, um sorriso sincero. É uma imagem cheia de verdade. A beleza - e compreendo tanto quando o poeta a proclama fundamental! - a beleza não está só na pele, no brilho, na textura que os olhos apalpam, na graça e poesia traçada por linhas ou no fio de cabelo que desenha e contorna. A beleza, está além, no intangível que à filosofia escapa e a razão persegue e não consegue ver. Os pequenos detalhes tecem véus de Maias. As unhas da mão que dá apoio ao queixo e não se podem ver... seriam azuis? Que importa? Vermelhas, pretas, transparentes são unhas recolhidas, incapazes de ferir. E o dedo, em primeiro plano, destaca como se fosse a única parte a se mover... o brilho da aliança dourada, em acorde com outros brilhos: o traço firme em que se transformou o grande aro do brinco e, o mais intrigante, que transmuda em metal a sobrancelha que também sorri... Chega! Não a vou poder mostrar nem em milhões de palavras... |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior| |
|