Acende a luz do banheiro. Sem pressa, uma barata perambula pelo chão. Ele dá um passo atrás, como para sair do caminho do inseto, que muda de rumo sem aumentar a velocidade. Ele cogita: deve ter vindo do ralo; na certa a água de vedação se evaporou, abrindo caminho à periplaneta adulta - suas asas são bem desenvolvidas - que não demonstra medo do predador dos predadores, ali, gigantesco a olhá-la em seus movimentos exploratórios iniciais e, certamente, ignorando a rivalidade milenar das duas espécies, cultivada pela astúcia de um cérebro ardiloso... A barata muda de novo seu rumo, agora, se dirige a porta. Ele teme que ela saia do banheiro, onde controla a situação. Surpreendentemente, o bicho não sai correndo - e como correm as baratas quando o querem! - mas continua a perscrutar o ambiente, analisando, provavelmente, odores inexistentes para o limitado olfato humano. Ele associa este pensamento ao fato de ter preparado, há pouco, o jantar. Talvez o cheiro da boia a tenha atraído para fora do ralo, supõe. No limiar da porta, o blatídeo se vira rumo à pia e segue seu caminho com calma e vagar. Súbito, ele é tomado pelo instinto da espécie. Pondera: não conviverei sob o mesmo teto com esse ser, malgrado ela seja tão espetacular quanto ele como obra da vida... aquela que é bonita e o deslumbra todos dias... Aí, se lembrou de uma empregada de sua mãe, que teve o cantinho de um dedo da mão, perto da unha, roído por uma barata enquanto dormia, pelo que ela contou... Não, não queria dividir sua toca com aquele inseto ortóptero, por mais que lhe fascinasse a entomologia... Com delicadeza, pisou na barata. Imediatamente, se sentiu um canalha por acabar assim, cheio de covardia, com uma vida que vicejava em seu chão... Imaginou, então, escrever uma crônica sobre a morte da barata, como confissão. |
January 3, 2013 8:30:46 AM GMT-02:00 Passo pelo mesmo dilema moral. Considero que os seres abaixo dela na escala de tamanho/massa é que são os verdadeiros inimigos, mas ai lembro que ela é um coletivo deles. Um verdadeiro busão de micro-organismos. E ai o pé vai, antes mesmo da ação se tornar consciente. Para sorte dela , a idade tirou bastante da agilidade e precisão necessárias ao extermínio mecanico. O suficiente para elas escaparem quase na mesma proporção em que morrem. Minha mãe dizia dos que estavam desacordados nos leitos de hospital: "Está entregue às baratas..." Chinelo nelas!!! É verdade, elas escapam muitas vezes pela ineficácia exterminadora imposta pelo tempo... O tempo é implacável e, de certa forma, indecifrável. January 3, 2013 9:55:40 AM GMT-02:00 Querido Clode, feliz ano! sem assinatura Obrigado. Que 2013 seja melhor do que 2012 e pior que 2014. January 3, 2013 10:21:46 AM GMT-02:00 desculpe, mas não vou ler, mal consigo chegar ao fim do título sem assinatura Não precisa se desculpar por isto. De gustibus et coloribus non disputandum, você sabe. January 3, 2013 2:10:42 PM GMT-02:00 lindinho vc Outro dia, fui pegar um vidro de boca larga para fazer isto e a barata correu para baixo de um móvel. Acabei jogando inseticida ali... Não se vive sem matar, ou melhor, os animais não vivem sem matar. January 3, 2013 3:28:09 PM GMT-02:00 Ah... sem assinatura Não foi da mão da mãe - belo título, maninho - foi da mão de uma empregada da mãe... January 3, 2013 4:19:41 PM GMT-02:00 KKKk adorei. sem assinatura Eu também, que você tenha adorado... January 3, 2013 7:30:11 PM GMT-02:00 Oi Clode Alguma vez você já comparou os tamanhos, a massa - o seu peso e o dela, barata? É comum esse pavor de baratas, sobretudo o pavor feminino - minha mãe quase não se casou por causa de um 'chilique', ante de uma barata que apareceu no trem, minha irmã e sua filha igualmente abominam o pequeno inseto (ela nem quis ler este texto!) - tão comum essa reação de começar a gritar e pular, como se de fato um bicho tão pequeno pudesse oferecer algum risco a um ser humano, que imagino, em nosso passado remoto, nas cavernas, talvez, terem as baratas de fato ameaçado, de algum modo, a humanidade... De todo modo, é melhor matar baratas que pessoas. January 3, 2013 11:34:37 PM GMT-02:00 Clode, começar o ano com essa crônica é supor que 2013 vai ser um ano interessante e muito divertido. Merci ,bj e um ano com muitas outras croniquins como essa. sem assinatura Oxalá suas previsões se realizem! Interessante, além de divertido, é muito bom. Tomara! January 4, 2013 8:02:50 PM GMT-02:00 Clode, Sabe o que acho, seus comentários superam, e muito, a crônica - são deliciosos! January 5, 2013 2:13:35 PM GMT-02:00 Muito bom.Valeu a confissão! sem assinatura Afinal, a isto se propõe o cronistaprendiz: descrever o que vê, o que sente capaz de provocar emoções... |
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