A terceira edição do Houaiss eletrônico não traz para o verbete virada o significado de passagem de 31 de dezembro para primeiro de janeiro. Tampouco encontrei esta acepção em diversos outros dicionários online e, no entanto, é a palavra ululante, diria Nelson Rodrigues, no caos absoluto deste bairro desde as primeiras horas do último dia do ano.

Nas principais avenidas, ainda abertas ao tráfego, é quase impossível circular, tomadas que estão por congestionamentos e obstruções. Legiões de banhistas com muitos petrechos - barracas, cadeiras, mochilas, caixas de isopor e sabe-se lá que mais - caminham pelas transversais no rumo do mar, acreditado como morada de Iemanjá e, por isto, alvo de ritos e celebrações.

Pelas esquinas os camelôs oferecem flores, metidas em grandes latões com água, necessárias às oferendas dos rituais de origem africana. No fluxo contínuo da multidão rumo ao Atlântico, percebem-se muitos vendedores de bugigangas e pasto, dos espetinhos de camarão aos churrasquinhos assados na hora em precários braseiros. Ao lado, profusa oferta de caipirinhas e outras pingas além de cervejas e refrigerantes, fórmula infalível dos odores vindouros.

Passam helicópteros e drones sobre nossas cabeças. Em cada esquina um policial. De tempos em tempos algum conjunto ativa o sistema de som, com milhares de caixas distribuídas de ponta a ponta da praia e é possível a um surdo perceber mecanicamente o barulho que não pode ouvir. Nos supermercados não é possível mais ter acesso às mercadorias: estão tomados por filas intermináveis de pessoas à espera de chegar aos caixas.

O sol incide agora a pino em um imaculado céu azul. Faltam ainda 11 horas para ter início o grande foguetório, lançado aos céus de balsas em meio a muita fumaça, para assinalar a virada de 2018 para 2019. Saravá!

Tue, 1 Jan 2019 12:36:41 -0200

Descrição perfeita do caos na espera do início de um novo ano. Moro em Santos ...

Sonia

Que gostoso descobrir uma leitora em outra "cidade praiana", como dizem os paulistas do planalto (morei 48 anos lá!), e que, pelo visto, também sofre com a crença da morada de Iemanjá!

Obrigado. Feliz 2018! Saravá!

Tue, 01 Jan 2019 20:18:02 -0200

muito bom, como sempre, descrição impecável, quase ouvi os drones e altofalantes aos berros e senti os fedores.
Você escreveu "petrechos"
Feliz crônicas em 2019!!

Beijos

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Obrigado. Feliz 2019! Saravá!

Os drones que vi por aqui, inclusive à noite, eram silenciosos. Barulhentíssimos são os helicópteros. Quanto aos odores, neste calor com tanta cerveja e tanta gente...

Existe petrecho, com datação de 1448 (Ortoépia: ê) um substantivo masculino: 1 instrumento de guerra (armas, munições etc.) [mais us. no pl.] e 2 utensílio, ferramenta, qualquer coisa necessária para exercer uma arte ou ofício ou levar a cabo determinada atividade (mais us. no pl.)

Tue, 8 Jan 2019 08:46:39 -0200

Muito legal! acho terrível essa ansiedade voraz que depois do ápice deixa todos cabisbaixos esgotados triste enfim porque nada mudou.

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Obrigado.

Excelente observação: "triste enfim porque nada mudou"...