Sábado, dia 26, completaram-se 178 anos da morte de Beethoven. Quando li sua biografia, em minha juventude, sua morte me parecia fato remoto, em verdade, tão perdido no tempo quanto leões a devorar cristãos ou mesmo faraós e pirâmides.
Fui péssimo aluno de História, mas não era por isso que não percebia aquela morte bem ali, ao alcance do braço se o esticasse bem. A perspectiva me impedia de ver. Havia tantos! Mozart, Chopin, Wagner, Verdi, Rossini, Strauss, Debussy, Stravinsky, Pixinguinha, como distinguir, lá de baixo, quem estava mais perto, quem mais longe?
Todavia, os anos operam radical mudança: nossa perspectiva do tempo muda. Além do tempo do relógio e das implicações e complicações da Relatividade, o tempo humano é tremendamente psicológico. A volta parece mais rápida que a ida, segundos podem parecer a eternidade etc.
É que nosso horizonte de tempo varia conforme a altura de pilha de anos a nos sustentar. Ao nascermos, no momento mesmo do parto, todo passado nos pareceria a uma distância infinita, mas ao nascer o passado simplesmente não existe.
Não sei bem quando se começa a acumular memórias, a erigir o templo de nosso passado - terrível como qualquer templo de pedra e cal! Velhos, mal conseguimos respirar sob tanto acúmulo, mas os subterrâneos do passado nos parecem familiares, seu tempo próprio, suas dimensões, são velhos conhecidos e a linha do tempo é como uma linha de metrô muitas vezes percorrida.
Li, no final dos anos 50, uma biografia de Beethoven, de Emil Ludwig, que pinta uma morte terrível, em tarde de tempestade onde o gênio só tem a companhia de um criado. Entre os papéis deixados, nenhuma música importante, mas duas cartas, do punho de Beethoven, que jamais foram entregues: uma ao irmão, "onde pedia a Deus mais tempo para terminar sua obra" e outra à "Bem-Amada Imortal".
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