autoria: José Lauro

Animal terrestre

20/09/16

Como fútil vingança por troças e zombarias à sua passagem repleta de dias dignos de alto verão, quentes e secos, os dias terminais do inverno se fazem, no Rio de Janeiro, cinzentos, molhados, quase frios e com um vento a ensaiar assobios pelas frestas.

Choveu forte na madrugada, com umas poucas trovoadas e seus correspondentes clarões. Amanheceu quase seco, mas logo voltou um chuvisco a oscilar entre levíssima garoa e pinguinhos detectáveis pelo tato. Tanto bastou para dar à cidade praiana (como os paulistas costumam dizer) ares inequívocos da pauliceia, dita um dia terra da garoa e também desvairada por maiúsculo escritor.

Os cariocas se confundem com esse tempo zombeteiro e se perdem entre usar ou não o guarda-chuva, sair de bermuda e havaiana ou calçar botas e se abrigar sob casacos estofados e capuzes. Para quem observa os passantes, existem todas as escolhas.

O chão molhado parece ter o dom de congestionar o fluxo de veículos sem maiores explicações enquanto o vasto mar, ao lado, é campo livre de obstáculos para todos os ventos, para a formidável movimentação do oceano de ar onde estamos mergulhados.

Faltam algumas horas para o equinócio, inauguração das novas estações e tal chilique do inverno terminal deixa um pouco perplexa essa gente acostumada a contar com sol e banho de mar.

A água cai da abóbada toldada e cinzenta atraída pela massa desproporcional do planeta e, na queda, se materializa ao sabor das lufadas ou dança levíssima na superfície das poças. As pessoas apertam o passo, cresce a ânsia de chegar.

O mar, água também, não liga à água que cai e se estende a cada onda em espuma feita de água e de ar. Sempre bonito, bonito como cantou o grande poeta baiano. Ao longe, o horizonte se perde na atmosfera molhada e o bicho homem se vê, como o inseto, animal terrestre.

Tue, 20 Sep 2016 15:26:26 -0300

nossa, me senti aí. Como sempre, quando você descreve, não tem pra ninguém: o ouro e pódio são seus. Adorei, me deu nostalgia da minha vida "praiana".

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Obrigado.

Somos assim: a galinha, a grama etc. do vizinho sempre nos parece mais atraente, melhor etc.

Somos seres nostálgicos, pois cultivamos o passado e inventamos a saudade!


Tue, 20 Sep 2016 16:45:05 -0300

aconteceu de novo:

COMO VOCÊ

VOCÊ ESCREVE BONITO MERMÃO...

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"Ao longe, o horizonte se perde na atmosfera molhada e o bicho homem se vê, como o inseto, animal terrestre."

      sem assinatura

Obrigado.
Acho que papai diria "são os seus olhos"...

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