No rádio, em tom solene, com um quê de empáfia, o cronista critica o deus de outrem e, logo, passa a definir o 'verdadeiro' deus, o seu, é óbvio, pois, se dado a aparecer em pessoa, Deus o faz a um por um e em lugares reservados, sem topar com multidões. Nunca apareceu no Maracanã, por exemplo, no meio de um de Fla-Flu.
Assim, cada qual tem o deus que imagina, ou nenhum. Diante de tão profuso politeísmo, cogito de ser cada indivíduo um deus potencial. Carregaríamos em nós a possibilidade de Deus, com a divindade implícita em toda célula do grande corpo de Deus. No inconsciente da humanidade pulsaria o potencial divino... (Do cogitar, Descartes certificou-se de sua existência e eu, duvido da minha...)
Ontem, antes do nascer do sol, o céu se listrou de azul e rosa forte, lindo, em luminosas e efêmeras cores a adular a alma com promessas de outro dia quente e radioso. Porém, dias antes, prognósticos do tempo já anunciavam uma virada radical para aquele dia precisamente.
Acertaram. A primeira trovoada se fez ouvir antes do meio-dia. E logo o dia sombreou-se sob muitas nuvens, cheias de ameaças de chuva iminente. De fato, chuviscou de leve, sem os ventos também aventados pelas previsões.
No final da tarde de chumbo, se rasgaram no horizonte, a oeste, duas faixas luminosas em meio a nuvens pesadas. Logo, se desenharam sombras tênues e brilhos esbatidos ou reflexos resplandecentes na paisagem sombria. Aos poucos, a luz se intensificou como sob a ação de um reostato. Mais um pouco e sol brilhou pleno através das aberturas do horizonte com toda alegria com que, nas vésperas, inundou os seres e atiçou a vida por aqui.
Tudo durou menos de dois minutos, mas a contraluz absoluta teceu douradas muitas teias estendidas rumo ao horizonte. Depois, a estrela mergulhou e sumiu e, pé ante pé, a noite chegou.
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