Artefatos mnemônicos
11/03/19
A primeira memória artificial deve ter sido uma pedra. Talvez um belo bloco de granito catado por algum ancestral em seu lugar natural e colocado, ostensivamente, onde não poderia estar. Ali, a pedra, antes perdida em sua pedreira, evocava a nosso antepassado aquilo que ele não queria esquecer. Uma olhadela para a pedra e logo lhe vinha à cabeça o mesmo de quando pôs a pedra lá. O mesmo pedregulho poderia servir a outras lembranças, bastando para tal escolher novos e mais inusitados locais para o naco de rocha e criar, assim, uma nova associação. Havia, é claro, o risco da interferência infantil. "O que esse monte de pedras faz aqui?" ou "Alguém viu aquela pedra por aí?" e outras, como o uso da "memória" na trempe do fogão ou para afastar um filhote de tiranossauro e mais coisas impensáveis nos dias atuais. Dali até o primeiro bloco de notas foi longa a caminhada. Dele aos blocos de memória de computadores e afins foi preciso outro tanto, embora percorrido em tempo muito menor. Para o trecho entre as memórias digitais e a memória biológica, tecida por neurônios, sinapses, neurotransmissores e algum mistério, é impossível prever o tempo que demandará. "Fugit irreparabile tempus", foge irreparavelmente o tempo advertia, e faz tempo, Virgílio, poeta romano de antes de Cristo. Seu "irreparabile" encerra o âmago do enigma posto pelo tempo à nossa razão: não posso voltar ao passado para, por exemplo, reparar meu erros nem os de ninguém. O passado é inaccessível, está morto ou não existe. Tampouco me é permitido adiantar-me amanhã adentro fora da ficção. Assim, num presente fugidio, na brecha estreita entre o passado e o futuro, fantasiamos um irreparável e infinito escorrer de areia na ampulheta universal. Ampulheta universal? Melhor evitar para não cairmos na física de Einstein. |
Mon, 11 Mar 2019 17:14:33 -0300 Que eu sempre aprendo com tudo que você fala... até mesmo quando é uma palavra pequeninazinha... Como artefatos mnemônicos... Digamos... "Fugit irreparabile tempus", Virgilio... Sempre aprendo demais com você mestre... sem assinatura E fico a me perguntar onde cessa a ironia, onde devo começar a sorrir... Sun, 17 Mar 2019 20:25:44 -0300 vc acertou uma parte do estudo da historia da escrita sem assinatura Respondendo sua pergunta: evidentemente. Muitíssimo me honraria a utilização destas palavras, no todo ou em parte, em uma obra sua. Sinta-se à vontade para pegar o que melhor lhe convier. Aliás, em todas as crônicas existe, embutida no código HTML, uma permissão expressa: "pode copiar tudo que quiser". |
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