Estranhos tempos dos festejos do final do ano! Seja qual for a razão das psiques individuais e daquela coletiva, percebe-se por toda parte um impulso ao partilhamento, uma inclinação a um contato benévolo entre as pessoas, como se brotasse por toda parte a possibilidade do Amor.
As palavras são perigosas e muitas estão tão carregadas de múltiplos significados que é preciso cuidado para nos atermos à efetiva compreensão do que tentam traduzir. Uns dirão se tratar do "espírito natalino", outros poderão atribuir a um compartilhamento etílico exagerado ou mil explicações com bases psicológicas, religiosas ou apenas especulativas.
Se as condições conjunturais mudam de fato, por causa do calendário, ou das condições climáticas, não sei, mas as pessoas continuam as mesmas, com suas mentes, suas inseguranças, seus vícios e jeito de ser. No rádio, a repórter pergunta ao colega: "... e não houve briga em família?" Para, em seguida, explicar: "Aparece aquela tia que quase nunca se vê... ou, então, alguém começa a falar de política, religião ou futebol..."
No metrô os funcionários parecem mais satisfeitos, cumprimentam os passageiros, desejam "feliz Natal", "feliz ano Novo" ou mencionam entre dentes o ano vindouro. A expectativa dos últimos segundos de 2017 cresce e por toda parte se preparam ritos e comemorações. O Homo verbalis é intrinsecamente supersticioso, mesmo os que não o são e, com extrema facilidade, associa acasos, atribui consequências hipotéticas a fatos fortuitos e, acima de tudo, acredita. O domínio da Palavra produziu a Fé.
Com a Palavra se erguem impérios, se unem multidões, se aguça e se provoca emoção. Com ela é possível, mesmo, transformar em ouro qualquer coisa. O cão me olha e me entende, mas não usa a palavra para tal compreensão. Somos nós, não ele, o bicho verbal.
|
Wed, 27 Dec 2017 17:27:01 -0200
Clode Com palavras desejamos um 2018 mais decente e com mais alegrias ! beijos
sem assinatura
É inevitável, somos bichos verbais...
Muito obrigado!
Fri, 5 Jan 2018 10:36:33 -0200
Oi, Clôde
Cheguei ontem do Rio, onde passei os últimos 10 dias; acho que esta é a última crônica que eu ainda não tinha lido - todas muito boas!.
É bom reencontrar palavras compreensíveis. Cada vez mais, me dou conta de que, mesmo falando a mesma língua, me sinto cada vez mais distante da língua e de outras gerações - já não partilho o vocabulário de meu neto de 12 anos (mangá, chaco - ou será que é tchaco? Ou txaco? - aprendi agora que são termos de quadrinhos e lutas orientais...a nova paixão do Luan), ou os nomes de personagens fantásticos dos gibis e dos livros que ele gosta de ler...
Mais do que os achaques físicos, parece que é essa distância que faz a gente se conscientizar da velhice... e do poder separador das palavras!
Outras experiências interessantes dos últimos dias:
(1) Luan ganhou de presente do amigo secreto no encontro dos primos uma coleção enorme de livros clássicos traduzidos em histórias em quadrinhos. Quando cheguei ao Rio, ele estava lendo Robert Louis Stevenson. A coleção inclui Dumas, Julio Verne, e coisas mais adultas, como Zola, Flaubert...Experimentei ler alguns. Nossa, que falta faz a descrição de cenários, ambientes, personalidades, referências históricas... Acho que eu aprendi mais História lendo romances do que na escola...
(2) Passei o réveillon na casa de amigos de minha primeira nora, a mãe do Luan, que mora no Sana.- não sei se você conhece, é um distrito de Macaé em uma região de montanha, tipo uma pequena Visconde de Mauá - muita floresta, rios e cachoeiras. Como seria de esperar, é uma turma bem alternativa, muitos artistas, artesãos etc., muita maconha, papos esotéricos e políticos radicais em altos brados... Cheguei a tapar os ouvidos e sair de perto! Mais poder separador das palavras...
(3) Em compensação, muita música gostosa ao vivo, tanto no réveillon quanto em um bar (uns dias antes) onde minha nora e sua turma - inclusive Denis - tocaram e cantaram em uma roda de samba. Para que Denis pudesse participar da roda, fiquei sentada perto de onde minha neta de 3 anos estava dormindo em uma rede; na mesma mesa estava duas amigas (uma delas já bem bebida) , que já foram se apresentando como casal e contaram suas histórias, problemas com ex-maridos e filhos, experiências de trabalho... Bem mais jovens do que eu, mas ainda compreensiveis...
Moral da história - o poder das palavras para criar culturas, proximidades e distâncias...
Bjs Ana
Oi, Ana,
Bom retorno. Dezoito começou bem por aqui: apareceu um comprador para a casa da Granja!
Muito boas as suas anotações sobre a estada em Macaé. Nós emprestamos poder às palavras, por certo, e muitas vezes as valorizamos mais do que o que é. Suas "experiências" confirmam, todas, a importância que damos para as palavras.
Também tenho amigas que formam um casal. Cada vez mais normal.
Acho que existem mais crônicas, a não ser que você as tenha percorrido de trás para frente. De todo modo, estão todas disponíveis no site.
|