Ângela é a mais bonita. Basta esta informação
e já se pode afirmar, com um risco mínimo de errar,
mais um monte de coisas sobre uma Ângela que nem ao menos
temos certeza de existir. Não importa se se trata da Miss
Universo ou da mais bonita numa cidade de 300 habitantes, nem
mesmo, que a superioridade aludida a compare, apenas, com as colegas
da classe ou as do trabalho. O que importa, e muda drasticamente
a vida de qualquer Ângela, é esta verdade simples:
ser a mais bonita.
Espera aí. Estou imaginando, no duro, uma Ângela
bonita de verdade. Ora, se for mesmo bonita é, inexoravelmente,
também, a mais desejada, a mais cobiçada, a mais
paquerada, a mais cantada, a mais invejada, aquela que ouve mais:
elogios, desaforos, insinuações, piadinhas (de homens
e mulheres), etc. Por ser a mais bonita, Ângela pode conseguir
as coisas com menos esforço mas, por outro lado, deve vivenciar
intensamente a angústia do mérito. Jamais estaria
bem certa sobre suas reais competências ou a respeito da
sinceridade dos amigos e, principalmente, das amigas.
A esta altura, você deve ter me tachado de machista. De
fato, nasci homem e tudo que posso fazer em relação
ao tema é observar e imaginar, tanto a vida da mulher bela,
como a da mulher feia. E digo logo que ambas me assustam, não
as mulheres, a bela e a feia, mas suas vidas. A vida da mulher
muito bela e a daquela, muito feia. Disse que só posso
imaginar e observar. Eis uma cena.
Final de expediente numa redação qualquer. Restam
por lá umas cinco ou seis pessoas, homens e mulheres. Minto,
eram duas as mulheres, de aparência normal, nem bonitas,
nem feias. De repente, abre-se a porta e entra uma mulher bonita.
A bela recém entrada perguntou se ali era a sala de algum
fulano de tal ou um departamento de sei lá o quê.
Não era. Ouviu as explicações, que era só
seguir o corredor, etc., e saiu. E foi quando ela saiu, que começou
minha surpresa. Havia na redação, já disse,
três ou quatro homens. Um deles poderia ter feito um comentário
ou insinuação. Poderiam ter falado que a moça
era atraente - omiti isso? Era jovem e atraente a invasora - ou,
ter repetido qualquer piada machista, da série "com
essa aí, cara, eu..." Mas o homens calaram. Àquela
hora, todo mundo estava querendo, mesmo, era poder enfiar as tralhas
na gaveta e se mandar. As mulheres, no entanto, mal a bonitona,
fechou a porta atrás de si, começaram a falar, com
grande excitação. As palavras vinha num fluxo abundante
e, aparentemente, incontrolável.
Aí está minha surpresa! As duas, as duas que ainda
estavam na redação, eram até bem razoáveis
de aspecto, uma delas, quase bonita. Pois bem, desandaram a falar
da outra, como se tivessem sido ofendidas pela simples presença,
por alguns segundos, de uma fêmea mais atraente. Criticaram,
detalhe por detalhe, a roupa que a outra usava. Não me
surpreenderia mais, se fizessem algum comentário sobre
o tipo de calcinha, que a fulana estaria usando, se é que
usava alguma... Falaram dos brincos, dos anéis, das pulseiras,
do batom, da bolsa, da saia, da blusa, dos sapatos , das meias,
dos cílios, das unhas, do esmalte... Você deve estar
imaginando que é tudo exagero meu. Não é,
juro. Passou-se exatamente assim.
Serenados os ânimos (ou seriam as ânimus, nesse caso?)
um colega veio para junto de mim, e filosofou baixinho: "com
as mulheres o caminho é inverso, o contrário do
que acontece com os homens, elas começam como inimigas
e acabam como amigas..."
Saímos juntos. No caminho, falamos sobre cães. Segundo
meu amigo, dois cachorros machos, só brigam se houver uma
fêmea por perto, mas duas cadelas são capazes de
brigar pelo simples fato de estarem perto.
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