no Shopping da Granja

de esporadicidade imprevisível

Cadê meu marido?

18/04/16

O capeta descobre novos meios de me irritar. Ignoro-o e ligo o rádio, pois nem o leitor suporta mais reinações dessa máquina metida a pensar. Ouve-se uma voz feminina, cheia de emoção e lamuria contar: "faz dois dias que o meu marido saiu de casa para comprar arroz e até hoje não voltou e eu não sei o que que eu faço..." Seguiram-se soluços entrecortados.

Desliguei o rádio sem saber do paradeiro do marido extraviado. Poderia estar morto ou ter apenas sumido. As emoções humanas se tornaram o prato preferido de quem vive de divulgar informação. Para o noticiário, a capacidade de emocionar sobrepuja a verdade, os fatos, em importância. Com as emoções, sem a razão como intermediária, se controlam melhor os cordéis da reação coletiva a lembrar cardumes gigantescos com reações em perfeito sincronismo.

Ontem, perto da meia-noite, ao se atingir a votação desejada, houve uma grande gritaria aqui acompanhada, inclusive, de alguns rojões. Pouco depois, vi um menino de uns doze anos dançando sozinho com uma faixa verde-amarela. Os enredos despertam curiosidade, seja na perda do cônjuge ou na impugnação da presidente do país, os detalhes se sucedem e prendem o interesse, como uma espécie de entretenimento.

Como se faz há milhares de anos, tomamos partido e dividimos a humanidade em "uns" contra "outros" e a secessão se propaga e perpetua. Defende-se isso contra aquilo, escolhe-se um lado contra o outro, elegem-se símbolos para instigar a identificação com a equipe esportiva, com seu local de moradia, com um país etc.

Assim não somos o cardume gigantesco, embora a humanidade continue única, independente de cor da pele, aspectos fisionômicos ou de se habitar esse ou aquele canto do planeta com uma bandeira dessa ou daquela cor. No firmamento, a Lua e Júpiter em conjunção davam o espetáculo.

Mon, 18 Apr 2016 15:23:00 -0300

... e não é que meu irmão ainda continua lincado no que se passa nas esferas logo ali em cima. Felizmente ele ainda se liga nesse eterno objeto em que faz piruetas sobre nossas cabeças (inúteis...)
bjo, Mermão

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Basta levantar os olhos, à noite, para se maravilhar e os homens se deleitam com o céu noturno desde sempre, desde muito antes de saberem não se tratar de furos no velho e carcomido chapéu do Padre Eterno...


Tue, 19 Apr 2016 08:34:09 -0300

Amigo,

Seu texto me remeteu a esse do grande mirmecologista E.O. Wilson. Se tiver tempo, leia. Explica muita coisa a nosso respeito...

http://www.froes.dds.nl/WILSON.htm

Grande abraço

Ebert

Obrigado pela sugestão. Apesar de ter lido bastante sobre entomologia, não lembro de ter ouvido falar, antes, de Edward Osborne Wilson. Comecei a leitura, mas deixei para concluir mais tarde, pois estou meio ocupado agora.

Surpreende-me que texto tão simplório como esta crônica tenha levado a um especialista em formigas, inseto que muito (e há muito) me fascina. Não tenho dúvidas sobre quanto nossa herança biológica determina nosso modo de ser. A propósito, cito com frequência uma frase do amigo "Tudo é química!", ouvida ao sair de um posto de gasolina na Campinas, que nunca esqueci.


Sun, 8 May 2016 23:54:42 -0300

LINDO! pena que só li hoje. Gostei também da cor, da paginação, do desenho. Quem fez?

      sem assinatura

O desenho é de 1989, época em que fiz muitas aquarelas sobre papel.

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