inocentes fábulas
quase pornográficas
Depois da consulta, das apalpadelas e auscultações de praxe, o médico receitou remédios e entregou a Jeremias uma lista de alimentos a evitar. Era uma lista impressa, cópia de computador, feita com capricho e outros requintes úteis na hora de estipular o preço da consulta. Jeremias dobrou as receitas, as enfiou no bolso da camisa sem sequer perguntar se tinha injeção. Era homem e homem não tem medo de injeção. Todavia, leu com atenção e vivo interesse a lista das comidas proibidas assim que o médico lha entregou. Em seu rosto o sorriso logo se desfez e, à medida que seguia no rol de delícias interditadas, dois sulcos profundos lhe sombrearam o cenho. Os maxilares travaram, mas Jeremias prosseguiu, até que, de repente: peraí, doutor, caqui! Caqui também não pode!? E logo caqui mole, doutor!? - protestou com veemência. O médico deu explicações, mas Jeremias não parecia se conformar. Debruçou-se sobre a grande escrivaninha rococó do consultório, olhou de soslaio para um lado e para o outro, virou a cabeça como coruja, a certificar-se de que a enfermeira não entrara por alguma porta secreta e, só então, lascou: - O senhor já chupou caqui mole, doutor? Já se lambuzou com aquela baba escorregadia do caqui? Já ficou brincando meia hora com a baga até fazer saltar o caroço e o poder cuspir? Já prestou atenção aos barulhos que se faz ao chupar caqui, caqui mole, doutor, tem que ser do mole, molhadinho, babando, doutor... e Jeremias quase babava, de fato, e imitava barulhos ininteligíveis: chulrlap, chulrlap, chulrlap, tchup, clop, lehp, chulrlap! - e estalava língua, beiços, céu da boca, tudo, tomado por súbita volúpia de caqui mole - completou: mole, doutor, tem que ser do mole e, depois de uma pausa: - Doutor, eu não como caqui duro, doutor, caqui duro é coisa de mulher. (inspirada por conselho a diabéticos dado pelo rádio) |
|home| |índice das crônicas| |mail| |equinócio| |anterior|