autora: Mima 

Cena carioca

10/09/15

O relógio de pulso parou. A bateria durou mais de ano e meio. Lindo, azul de lápis-lazúli e laranja; suíço e pontualíssimo. Corri à banca de jornais e perguntei se tinham a pequena bateria circular. Não, ali não tinha. Sabe onde encontro? - perguntei. Tem um relojoeiro na Ronald de Carvalho, uma banquinha...

Agradeci, confirmei a rua e fui. Ia de olho nas lojas, de um lado e de outro e nada de relojoaria. No meio do quarteirão, num recuo da calçada, diante de uma loja fechada, mas com uma das portas pela metade, de onde saía barulheira de obra, a banquinha! Digna do nome, apenas uns 30 por 40 centímetros, pés sanfonados e, sobre ela, uma pasta rígida, aberta, em cuja tampa um cartaz anunciava: "compro objetos antigos - canetas e relógios". Dentro, uma parafernália de quinquilharias entre as quais logo percebi muitas baterias.

Sentado, o relojoeiro cuidava de um relógio de pulso dourado e corpulento. Mostrei-lhe o meu e perguntei pela bateria. Ele tirou os olhos do serviço por um instante e confirmou: "tem, meu jovem, já estou acabando este aqui". Era um senhor baixo, de meia-idade e tendo à frente, sobre estreita beirada da banquinha, parafusos de um ou dois milímetros de comprimento, chaves de fenda de relojoeiro, pequenos alicates etc. Resmungou algo como "hoje só aparece serviço difícil" e continuou na tarefa de colocar a tampa do fundo do relógio dourado.

Com a lupa presa ao olho direito, pegava com uma pinça cada parafusinho para prender a tampa. Chegou uma senhora. Ele mostrou-lhe o relógio e disse: "já tá acabando". Chegou um homem a acompanhá-la e, depois, uma mulata, que se meteu entre a banquinha e a parede. Ele terminou, entregou e recebeu dez reais. Solícito, me pediu o relógio, trocou a bateria morta por uma nova e o acertou. Quanto? Cinco reais - pouco mais de um dólar.

Thu, 10 Sep 2015 09:52:31 -0300

Que maravilha! Gostei de tudo.Do problema
à solução.Dos personagens,do ritmo e principalmente de como foi narrado.Daria um curta ótimo
Parabéns ao inspirado autor.bj

      sem assinatura

Acredite, ao escrever pensei em você. Sabia que pelo menos você gostaria (assim com acho, às vezes, que não gostará), mas surpreendeu-me muito aquele senhor quase velho com suas coisinhas ali, a consertar relógios no meio da calçada e, talvez mai, ter sido indicado (como se fosse uma instituição) pelo jornaleiro duas esquinas adiante.
Obrigado.


Thu, 10 Sep 2015 09:04:31 -0700 (PDT)

genial
apreciou o "meu jovem"?

      sem assinatura

Sim, perguntei-lhe: "você disse 'meu jovem'?" ele confirmou e me ri muito. A cena seria bem mais longa, mas me impus um "tamanho de crônica" e tento me ater a ele. Teve muito mais detalhes, mas cortei e cortei...


Thu, 10 Sep 2015 16:01:09 -0300

Tão bom abrir o mail e ter uma crônica para ler.

      sem assinatura

Tão bom ouvir coisas como esta!

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