Um amigo me conta de um relatório da ONU que afirma serem as 225 pessoas mais ricas do mundo donas da mesma quantidade de dinheiro que todas as demais juntas. Não vi os dados, mas acredito nele. É muito mais fácil acreditar em meu amigo do que na estatística.
Ora, uma das primeiras coisas que vi na Internet, foi um conjunto de documentos (site) comparando o mundo a uma aldeia. Comparava-se toda a população mundial aos mil habitantes de uma aldeia imaginária. A partir daí, o autor fornecia uma série de estatísticas, quase todas impressionantes e perturbadoras. No final, os números enfatizavam a quantidade estupros e outras violências contra a mulher.
A lembrança me vem por sublinhar o absurdo do dado trazido pelo amigo. A coisa pode ser vista de dois ângulos: que fração de pessoa, dessa suposta aldeia, corresponderia aos 225 que abocanham a metade de todos os bens? Caso você ache que é muito cruel imaginar frações de pessoas, e muito difícil escolher que parte de um corpo melhor representaria os quaquilhonários (só mesmo com termos de histórias em quadrinhos para quantificar tais butins), o jeito seria calcular qual a população mínima, na suposta aldeia, daria uma pessoa inteira para representar os Ali Babás.
As contas são muito simples. No primeiro caso, teríamos 0,000.037.5 de pessoa para representar os que tem em mãos - e que mãos! - a metade do dinheiro do mundo. Veja bem, não se trata de porcentagem, mas de fração de uma pessoa! Por exemplo, se os cidadãos da aldeia tivessem 70 quilos, um pedacinho de pessoa, de pouco mais de duas gramas e meia, teria a metade da grana. Os outros 999 habitantes mais as 69.997 gramas do último, ficariam com o resto!
Na outra hipótese, a aldeia que o autor tinha imaginado com mil habitantes, precisaria crescer até 26 milhões, 666 mil 667 moradores, para tornar possível a comparação com uma pessoa inteira. Com um corpo inteiro, eu diria, por que um ser humano é mais que esses setenta quilos de matéria e ganância. O Brasil teria gente para justificar uns cinco desses Tio Patinhas. Duvido que tenha algum. Devem estar todos no Hemisfério Rico, ao norte do equador. A Argentina tem a medida de um, mais ou menos. O Uruguai, e muitos outros países, teriam que calar o bico, por não terem, sequer, a população necessária para justificar um quaquilionário.
Ontem, o noticiário da tevê mostrou um grupo de escravos postos em liberdade após 90 dias de trabalhos forçados numa fazenda do Pará. Um deles recebeu uma indenização de cerca de 550 dólares. Estava radiante e disse que tentaria comprar uma terra com o dinheiro, para plantar e sobreviver. Ontem, o jornal da tevê omitiu, mas as rádios e jornais contaram, que em quatro anos os banqueiros já receberam mais de 15 bilhões de dólares do governo - ninguém sublinha que não é do governo, mas do povo que recebem - com pretextos de sanear finanças e sistemas financeiros.
Mais continhas: o dinheiro dado aos banqueiros daria para deixar radiantes mais de 27 milhões seres humanos como aquele senhor mostrado na televisão. Porém, Maria Antonieta não está preocupada em sanear a saúde física e mental de gente. Maria Antonieta, inclusive, acha detestável essa gente encher o saco e ficar pedindo um pedaço de chão para trabalhar no cabo da enxada e ter um pouco de mandioca e feijão para os filhos, um pouco de milho e ração, para galinhas e cabras. Maria Antonieta vendeu sua alma e, agora, cumpre pagar.
Nota: Os cálculos foram feitos com uma população de 6 bilhões. No momento de publicar esta crônica o U.S. Bureau of the Census indicava em seu relógio da população 5,976,788,463 habitantes no mundo. (Tudo, suposiões estatísticas...)
Publicada em 31 de março de 1999
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