Cronologia

29/08/18

Um barulho de motor se impõe monótono e irritante. São vinte e um minutos e faltam vinte e cinco dias para o equinócio de setembro. Uma abominável massa de ar polar, vinda de nosso polo mais frio, passou e agora se afasta ou se esquenta ou se desmancha ou tudo isso junto e os oráculos meteorológicos preveem dias mais quentes, mais ensolarados e, mais importante, mais secos.

O barulho cessou. Outro dia, os meios de comunicação destacaram um erro de português, publicado em uma rede social por um ex-ministro de Educação (de dois governos!) Se a leitora antiga ou a recém-chegada se surpreendeu com a notícia, permito-me imaginar igual crença, também, no preparo, para bom desempenho no cargo, de inúmeros outros "honoráveis" ministros, deste e de passados governos.

Novamente o barulho. Passaram-se 12 minutos. O tempo é inclemente: passa e nunca para de passar. Tudo mede seu desenrolar. A noite e o dia, a unha e os cabelos a crescerem, o crescimento imperceptível dos baobás, a morte do que vivia, a volta de um cometa, a pausa prolongada na partitura musical, o desligamento da fonte do ruído desagradável em algum apartamento vizinho. Foram mais sete minutos.

Caso o céu já esteja desanuviado temos no alto uma lua praticamente cheia (93%) na cidade feérica a impedir o encanto das noites enluaradas de nossos avós, e também eles, nossos avós e os avós deles são uma medida do tempo. Assim como a fração de segundo entre o cano da arma e a vítima da bala perdida.

Larguei o livro quando faltavam oito páginas. Tom Wolfe declarou impossível contar até dez sem as palavras*, em seu "O Reino da Fala". Até dez! O número dos dedos das mãos... Estava tão exaltado a deificar a fala que esqueceu-se da contagem gestual.

Agora somam-se 29 minutos. Usamos as palavras (a fala, portanto) para criar fábulas.


* "(Quem duvidar que tente contar de um a dez sem palavras.)"

Tom Wolfe, "O reino da fala", pág. 229, Ed. Rocco Ltda. - 2016 volta

Wed, 29 Aug 2018 10:30:35 -0300

Gostei muito e fiquei curiosa sobre esse livro, nunca li Tom Wolfe. Você gosta? Já leu antes outras coisas dele?

Como você consegue transformar o citidiano, banal e prosaico (nunca usso essa palavra, por falar em palavras e fala), em uma leitura instigante????????
Isso é gênio!

Acho que contêm escreve assim e não como você escreveu, conteem. Mas não tenho certeza.

Boa sorte com a disperção da tal massa pllar, que andou por aqui também

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Obrigado.

Há muitíssimo tempo, comprei, li e gostei de um livrinho dele, "Palavra Pintada", onde expõe uma tese de que a pintura, então (meados do século passado), se tornara um monte de conceitos e teorizações expostos por críticos e especialistas e previa as exposições do futuro como imensos painéis com textos explicativos sobre as pequenas obras ao lado.

Depois e escreveu e obteve muito sucesso com "Fogueira de Vaidades", que não li e cujo filme foi considerado um dos piores de todos os tempos.

Agora fui atraído pelo tema tão relacionado ao Homo verbalis. Aliás, no livro ele "cria" o Homo loquax, pois sua tese é a fala.

Obrigado pelo copidesque.


Wed, 29 Aug 2018 10:51:47 -0300

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Merci.


Wed, 29 Aug 2018 11:33:02 -0700 (PDT)

O tempo é inclemente: passa e nunca para de passar.

como dizia Cazuza, na musica, ... nao lembro qual, mas dizia
o tempo nao para ...

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Taí uma matéria em que sou absolutamente ignorante...
    (Cazuza, quase tanto quanto o tempo!)

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