autora: Mima 

Da bonança

11/04/19

"Finda a tempestade, o sol nascerá" - tomo os versos de Cartola, marcantes na longínqua adolescência, para salientar a bonança desta quinta-feira carioca, sob céu azul e sol beleza.

Ainda enlameada e suja, contundida por dez mortes e muitos desabrigados, a cidade compreende de estalo o termo forjado por velhos marinheiros, após tormentas e desgraças, com o cessar das ventanias e o aquietar-se das águas debaixo de uma abóbada azul, de um azul indescritível, sob o calor, a luz e demais radiações de um sol em céu lavado e enxaguado por recentes intempéries.

É dentro de nós que se dá a bonança. Parece-me existir efetivamente um poder sobre o nosso sentir do azul impecável da atmosfera limpa por águas torrenciais. O azul profundo e luminoso fala diretamente ao mais íntimo de nós. Aplaca as inquietações costumeiras do dia a dia, serve de bálsamo ao torvelinho de estímulos a nos solicitar.

Quando a Arca tocou o chão enlameado pelos quarenta dias da chuvarada, período só superado pelas águas desabadas sobre a Macondo de Garcia Marques, pousou adernada para bombordo e o velho Noé fizera a porta justamente a estibordo. A bicharada, no entanto, extasiava-se com o puríssimo azul do céu, um azul incrível e apaziguador e procurou galgar, um a se apoiar no outro, rumo a abertura por onde o sol beleza sorria esplêndido. O centro de gravidade se deslocou com os animais e, com um baque surda, a Arca tombou para estibordo permitindo o desembarque ordenado dos bichos arrebatados. Era a bonança.

A adolescência sobressai para quem a vive como para quem com ela convive. O conflito é inevitável, pois uma criança e um adulto disputam o mesmo corpo. Os versos do sambista da Mangueira ecoam hoje, quando após vários dias de céu encoberto e chuvas contínuas o azul intenso se espraia com uma lasca de Lua.

Thu, 11 Apr 2019 14:16:34 -0700 (PDT)

linda cronica, linda foto

      sem assinatura

Agradeço, é óbvio, mas discordo...


Thu, 18 Apr 2019 10:39:12 -0300

Oi, Clôde

Lindo, obrigada!
Você colocou em palavras a sensações que senti esta manhã ao acordar e ver o céu pelas vidraças.
As cores do outono voltaram! E vi ainda um efeito bonito do reflexo do sol nascente (que eu não assisto, porque
minhas janelas dão para nordeste e para sudoeste): o sol subindo se refletia janelas dos prédios distantes a oeste,
e o céu estava todo avermelhado. Esses reflexos pareciam outros pequenos sóis rumo ao poente.

Deu pra imaginar? Tentei fotografar, mas os reflexos não apareceram na foto - só o horizonte vermelho.
Bjs
Ana

Oi, Ana.

Sim, imagino mais ou menos, por estar também diante dessa nova paisagem feita de fachadas e janelas. As fachadas funcionando como enormes espelhos têm chamado minha atenção. Outro dia consegui registrar, de minha janela, situação oposta a que você descreveu: voltado para leste/nordeste, via na fachada do Hilton (antes, Winston e antes ainda Méridien) o reflexo do pôr do sol, no oeste atrás de mim...

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