autorretrato 

Declaração vazia

23/11/16

"Nada a declarar" - diria algum daqueles que se apossaram do país na década de sessenta. Ah, com que empáfia repetiam a locução ao assédio dos repórteres! Sem necessidade, assinale-se, pois em cada redação, em cada emissora um censor rosnava "isto pode", "isto não".

E em um mundo sem computadores, a única solução para jornais previamente diagramados estarem nas bancas na manhã seguinte era substituir o material, proibido em cima da hora, por receitas culinárias, trechos de Camões ou algo mais absurdo ainda como destaque principal em suas capas.

O leitor captou imediatamente a mão forte por trás daquelas publicações inusitadas. Três ovos e uma xícara de farinha com grande destaque na primeira página equivalia ao aviso: CENSURADO.

Além disso existia, ao redor do fato jornalístico (a censura) e dos fatos omitidos (as notícias), um terceiro aspecto, profundamente humano, pois eram todos pessoas com tudo de bom e de ruim potencialmente existente em cada ser humano.

O censor, quem quer que fosse, era por definição persona non grata nas redações, nas emissoras e a convivência diária e obrigatória trazia desconforto e dificuldades para ele e para os jornalistas. Para o público, também era alguém indesejado, mas não existia a convivência física.

Hoje me parece que, se não vivêssemos na época amedrontados pela completa arbitrariedade dos militares, nenhum censor teria resistido às provocações e mangações - ao bullying dos repórteres, redatores e demais envolvidos.

Por que tudo isso, a esta altura por certo você se pergunta: onde quer chegar este aprendiz? Ora, é bem evidente: a locução vazia dos generais e ministros diante da curiosidade dos repórteres ressoa agora em mim, ante a absoluta ausência de assunto para a croniquinha esperada neste espaço e, como eles, ecoa-me o malfadado "nada a declarar"...

Tue, 29 Nov 2016 20:24:17 -0200

ei ei, querido Mermão...

relendo o que estava por aqui, nesse meu pequeno pedacinho... mais uma vez, você tem toda razão, infelizmente.
os donos do poder continuam exatamente no mesmo lugar... garfando, garfando, mentindo... um nojo permanente...
mas ainda bem que ainda tempos um pouco de saúde.

boa noite por aí, mermão

bjo

      sem assinatura

Querido irmão,

Sim, viva a saúde! Mesmo se menos do que se desejaria...

Quanto aos donos do poder, deixemo-los lá a chafurdar em seus chiqueiros...

Boa noite paulistana!


Sat, 3 Dec 2016 15:51:35 -0200

... pois é, Mermão... eu estive por lá, época da tal pressão, andei pelas cadeias, cenas apavorantes, inesquecíveis... as pessoas sendo mortas na frente de todos ao redor... mas prefiro não falar disso e de tudo mais que não se escreve. e logo hoje que temos um domingo de sol... Mas eles podem voltar... infelizmente...

bjo

      sem assinatura

Caramba!
Nunca soube dessas passagens.
Mas voltemo-nos, então ao domingo ensolarado.

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