'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Diálogo

03/03/11

- Esqueça, não vou falar dessas lembranças remotas, sórdidas por um lado e, apesar disto, envoltas em canduras da inocência infantil. Observe-se nas crianças como a ignorância afasta a possibilidade de maldade e as repõem no Paraíso com a insciência de Adão e Eva. Depois, a consciência repete a aceitação do fruto proibido e nos torna adultos ao provar da árvore da consciência, do pecado.

- Não importa, nos conte, então, outras histórias, serão sempre pedaços de você, de sua vivência, quer tenham ocorrido de fato ou apenas na imaginação e não passem de memórias de sonhos e devaneios.

- Pois seja, embora se possa questionar a importância do relato de pequenos enredos pessoais, fragmentos de interesse, apenas, para aqueles diretamente envolvidos nas intrigas da trama e nas consequências inevitáveis da opacidade da alma humana. A quem mais interessariam tais histórias?

- Interessam sim, sempre. O cérebro se alimenta de relatos da experiência alheia, seja para contar uma briga de casal ou falar da equivalência da energia ao produto da massa inerte pelo quadrado da velocidade da luz. No fundo, é tudo história de experiências e vivências de algum indivíduo. Cabe a cada um, com o próprio paladar, escolher o naco de vida alheia que mais apetece. Jogue-nos, pois, a pérola de hoje, ainda que vos pareçamos leitõezinhos.

- Memórias, que valem esses vestígios imprecisos deixados pelo apagador implacável do tempo? Eis-me aqui, fruto e, portanto, resumo de todas as histórias que me fizeram assim. De toda uma relação talvez não sobre mais do que uma frase ou um gesto ou um perfume ou um vulto... quem sabe? Essas memórias falam de quem as lembra, não do que existiu. Para mim, pelo menos, desaparece o fluir da vivência e sobram meros espectros dos momentos de glória ou terror. Repito o mainá: eis-me aqui e agora.

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