Dissintonia
16/01/12
Ligo o rádio e logo tentam me convencer a buscar na internet a página da emissora; procuram me induzir a opinar, a 'participar' e 'entrar em contato' com eles por uma ou outra 'rede social'; pedem uma opinião sobre o assunto em pauta, sobre a 'pergunta do dia'. Clamam para que lhes telefone ou que por este meio envie mensagem de texto - pior, se a enviasse, teria de pagar o preço anunciado e os impostos ocultos! Queria apenas ouvir rádio! Tudo isto me espanta. Creio abominarem ter a mim como ouvinte. É como se me dissessem: desligue, corra ao computador, foi-se o tempo da radiodifusão... Ao que parece, tudo virou um apêndice do computador. São raras informações objetivas e bons locutores, escolhidos pela qualidade da voz e por saberem interpretar um texto, serem bons oradores. Vozes e sons, afinal, nos resumem a emissora. Em vez disto, impera a cacofonia. Todavia, a par tantos meios de comunicação, continuamos isolados, incapazes de comungar com pessoas, bichos, plantas, com a natureza, com a vida. Da infância à velhice testemunhamos o gradativo endurecimento de nossos corações e a exterminação inexorável da pureza. Apesar de tantas luzes, comemorações, festejos e celebrações, nosso âmago continua escuro e nós, sós, com uma inexplicável angústia. Os meios que facilitaram a comunicação não nos fizeram mais amigos. Houve reencontros antes quase impossíveis, é verdade, mas a estrutura de tantas redes a nos ligarem não muda o que somos. Não somos simples e é preciso simplicidade. Toda tecnologia embolsável - que cabe no bolso ou na bolsa - não pode nos fazer simples e, com a algazarra e confusão de nossas cabeças, a amizade se torna quase impossível. Desligo o rádio. De um barranco onde o mato esconde tudo, vem uma voz que não sei a que bicho atribuir. Estou em dissintonia com nosso tempo. |
Mon, Jan 16, 2012 at 10:03 AM Clode, sem assinatura Ouvi muito a CulturaFM e, também aqui, os três rádios ficavam sempre nela. Depois, cansei-me e comecei a procurar outras alternativas. Um dia, meu neto chegou e ligou o rádio e se espantou por não estar na Cultura e me perguntou o que tinha acontecido. Desculpe-me a crônica de um velho ranzinza. Acho que é o tom imperativo que me incomoda fundo: "vá até nossa página...", "ligue para tá número...", "acesse tal twitter..." etc. sempre no imperativo. Não se pede mais 'por favor', não se convida o ouvinte. Soa como imposição, daí minha revolta, descabida, sim, mas as emoções quase sempre vencem a razão. Vou volta à velha rádio Cultura. Obrigado pela dica. Mon, Jan 16, 2012 at 4:08 PM Nem tudo está conectado ao computador, existe radiofonia sem internet, creio eu: ontem fui à missa dominical em Carmo do Rio Claro. O padre, que não é da cidade, é cantor, tem CD gravado e começou saudando os fiéis ali presentes E.... "ouvintes da Rádio Difusão", na qual a missa estava sendo transmitida ao vivo, com direito a um pequeno show: 3 músicos/cantores acompanhando o solo tremulado da voz do padre. Idem: estou em dissintonia com este mundo da reza cantada radiodifundida!!!!!!!!!!!!!! ABUNDAM padres cantores vendedores de CDs!!!!!!!!!!!!! Um som que me deixa em dúvida ser um grilo (ou aparentado), um sapo ou uma corruíra (cambaxirra, no Rio). O mais intrigante é que fico com a sensação de que o bicho se manifeste ao perceber a minha presença... Deve ser alucinação de alguém sabidamente maluco. Quanto ao passarinho, sei que se aninha ali e é capaz de muitas vozes, apesar de minúsculo, às vezes lembra o resmungar de uma galinha. Quanto ao trecho comparável ao canto das seriemas, apenas escrevi o óbvio, não? Sun, Apr 8, 2012 at 9:33 PM só li hoje ... meses depois sem assinatura Dentro de alguns meses tentarei responder... :-) |
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