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Domingueira04/03/08Depois de um sábado ranzinza e molhado, com chuvisco de cabo a rabo e fortes pancadas ocasionais, o domingo veio de mansinho, radiante, se espraiando em luz. A quietude e o silêncio fizeram da paisagem, maquete. Uma ou outra borboleta esvoaçava - pontos amarelos a embandeirar o mundo que se via contra os verdes das folhas e o céu azul. Para mim, o azul imenso estendido de ponta a ponta sobre nossas cabeças é essencial à harmonia das complicações de dentro de nós, quer a chamem de psique ou alma, a esse imponderável que coabita carnes e ossos na promiscuidade de hormônios e neurônios. Leves tremores nos extremos dos ramos davam vida à vegetação à medida que o sol se alteava. O domingo se prometia domingueiro, mas logo vieram as primeiras nuvens, de oeste. Chegaram rápidas como a elevação da temperatura e volumosas. Ao mesmo tempo, um vento, frio e desordenado batia ora de um lado , ora de outro. Tudo cresce com pujança incomum. Brotos eretos e túrgidos exibem vigor e ternura da juventude. Simultâneos ao desnudar-se das árvores na paulatina abolição das frescas sombras do verão. Verão que passou de fininho, fazendo tudo para ninguém perceber. Destas folhas, mortas, o calor e a brutal umidade fazem terra cheirosa e negra, numa velocidade surpreendente e uma multidão de minhocas nela brota, a sugerir de novo a geração espontânea. Perto do meio-dia, rajadas mais fortes trouxeram três gaviões, pretos, em vôo baixo, com os dedos espalmados - preferiria com as rêmiges primárias espalmadas? - em volteios elegantes e a aproveitar tão bem o vento que, por momentos, paravam no ar. Cada vez mais baixos, roçavam o topo das árvores, farejando almoço. Vulto e sombra se agigantavam quanto mais baixo passavam. Circularam muito tempo rente às copas, mas não vi ataques nem matanças. |
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