Falei, ontem, da lâmpada elétrica. A miúdo
me pego imaginado como seria a vida de nossos avós sem
eletricidade. Sem Internet, sem computadores, sem secretária,
porteiro ou mensageiro eletrônicos. Sem fax, xerox, nem
celular. Sem qualquer tipo de tevê - a comum, de parabólica
ou por cabo - sem vídeo nem vídeo game... mas, vejam
bem, por enquanto falamos apenas de nossos pais! Sem loja de eletrodomésticos
e tudo que tem dentro delas, sem rádio, toca-fitas, telefone,
sem cinema. Sem uma lâmpadas, para clarear o ler e o cozinhar.
Imaginaram a cena? Para ouvir música, era preciso alguém
tocar. Para saber dos fatos, era preciso alguém chegar.
Para assistir ao drama, era preciso alguém representar...
Lembro-me da eletricidade, principalmente, nas noites limpas,
longe das cidades grandes.
Substituímos Órion por Tom e Jerry. Sírius,
a estrela mais brilhante, por Marilyns, Garbos e mil outras mais.
As nebulosas indecisas pelos noticiários da tevê.
Informa-se que a indústria do entretenimento cresce vertiginosamente
e não há previsões de parar de crescer.
O que buscamos, afinal? Tocamos nossas vidinhas de casa para o
trabalho, do trabalho para casa, do nascer até morrer.
Um tédio. Diante do tédio, aceitamos as pantomimas
como um monarca entediado, que apenas esboça um sorriso
amarelo às artes do bobo da corte. Substituímos
a alegria pelo divertimento. Venham, tragam as pipocas e comecem
o show. Façam alarido, toquem fanfarras, tirem coelhos
e pombos das cartolas, que na vida tudo é passageiro, menos
o cobrador e o motorneiro. Substituímos a inocência
pela malícia e ainda nos achamos muito espertos, por isso.
Depois vem o tédio do tédio. O que é ótimo
para a indústria do entretenimento - só esta locução
já dá pano pra manga pra espanto e pra reflexão:
- indústria do entretenimento! Com tanto tédio,
novas "novidades" serão sempre necessárias,
e elas virão sem que se precise sequer calcular a obsolescência
- nada mais perecível e mais descartável! Viu, dona
Sabrina, quantas palavras que nem existiam há 50, 30 anos
atrás? Sei, dona Euláia, vai me dizer que estou
a cuspir no prato em que como. Estou mesmo e prefiro assim, do
que calar o pouco que consigo enxergar. A verdade não é
subjetiva, de modo algum! Tudo que afirmo, pode não ser
do jeito que digo. Você, leitor virtual - e seria mais correto
e mais cortês dizer você, leitora virtual, por meras
razões estatísticas, você não deveria
acreditar em nada. Vá verificar, com seus próprios
olhos, com todos os sentidos, com sua própria razão.
Mas por que mesmo comecei tudo isso? Ah, sim, queria falar do
desejo. Palavrinha que, como tantas outras esconde uma multidão
de significados! Desejo que alguns vêem como perigoso germe
do pecado. Desejo que outros cultivam e estimulam a cultivar.
Até no Aurélio, desejo tem o estigma de coisa ruim:
fora o desejo das grávidas - vontade exacerbada de comer
ou beber determinadas coisas - os outros seis significados estão
ligados aos apetites - inclusive sexual, é óbvio
- à cobiça, à ambição, etc.
Como os pecados chamados de capitais, são sete as acepções.
Sei, dona Sabrina, que se a gente não desejar as coisas
não vai pra frente. Pelo menos sei que é isso que
se repete. "Marcolino, coitado, tá lá, naquela
vidinha, não sai daquilo... mas também, ele não
sabe o que quer..." Sim, o querer, ia esquecendo os muitos
quereres... mas já está terminando o tempo regulamentar
e queria dizer uma coisa, antes do apito final. O desejo, vai
ter que ser adiado.
Ponha-se no lugar de Deus. Pegue uma animalzinho qualquer, um
gatinho, por exemplo, ou uma barata, se preferir, e sinta-se com
a incumbência de projetar o programa, o soft, para
que ele não decida, digamos, dormir durante toda a vida,
até morrer. Se você fosse Deus, não teria,
quiçá, inventado o desejo?
11