O encontro inusitado
23/05/17
(atendendo pedido de uma leitora)
Agora era o Narrador quem esfregava os olhos e ao mesmo tempo se espreguiçava, ainda nocauteado por seu estranho sonho onde um cavaleiro e seu jumento, perdidos em um deserto insabido, tiveram a visagem assombrosa de uma sereia encharcada no meio daquelas securas sob um sol dardejante. Esfregou os olhos e ponderou: somente se voltar a dormir terei alguma chance de conhecer o epílogo do encontro inusitado. Pensado e feito. O contador de histórias voltou aos travesseiros e cobertores, de pálpebras cerradas, em busca do remate do eventual colóquio daquelas personagens. Deitou, dormiu e sonhou. Como bem se lembram os leitores, o jegue atendera de pronto ao chamado da voz sirênica¹, afamadas e irresistíveis vozes aptas a subjugar, entre tantos, o imbatível Ulisses. Morfeu retomou o espetáculo no momento em que o sertanejo, bem encaixado nos arreios enfeitados de sua besta, se aproximava da aparição. Ele olhava sem piscar para a mulher-peixe, atento a cada detalhe, incrédulo e maravilhado ao mesmo tempo, a ponto de não perceber o olhar enlevado de seu jumento face ao esplendor daquele ser etéreo, luminoso, sensual, encantador. Encantador sim, pois Calixto reagia como se encantado estivesse. A mesma voz, doce e irresistível, então, falou: "vem, não passo de uma miragem aprimorada por velhos quereres, mera criação imaterial forjada a quatro mãos por razão e emoção". O matuto ouvia, sim, mas nada captava da sedutora fala. Incrédulo e paralisado boquiabria-se. A visão estava bem ali e parecia muito real. Com suavidade a voz insistiu: "não tenham medo, experimentem, avancem, vocês podem passar através de mim... Adiante, sem temor!" A estas palavras, Expedito, o jumento, retomou rumo e caminhou reto na direção da moça, do peixe, do que fosse, sob um jeca perplexo, atônito, atordoado, incapaz de pensar. do Houaiss: |
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