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Enganos17/12/01
Ainda outro dia, Roland Barthes queria "saber a qualquer preço o que ela era 'em si', por que traço essencial se distinguia na comunidade das imagens". Bem, ele falava da Fotografia - "ela" era a Fotografia e eu disse "outro dia" com a tranqüilidade de saber o tempo relativo, o tempo dos homens, cheio de complexos componentes psicológicos, independentemente de toda complexidade que a Teoria da Relatividade possa ter acrescentado ou eliminado ao colocá-lo ao lado das três coordenadas habituais que nos levam para frente ou para trás, pra um lado ou pro outro e pra cima ou pra baixo. O outro dia se refere à publicação de "A Câmara Clara", Nova Fronteira, de 1984. A edição original, em francês, é de 1980. Como se vê, coisas de ontem... Cogita Barthes da natureza íntima da Fotografia e principia com um relato onde lhe sublinha o caráter de réplica fidelíssima da realidade: confessa ele que, diante de uma fotografia "do último irmão de Napoleão", exclamou - "vejo os olhos que viram o imperador." Seria, por certo, uma imagem em branco e preto, pela época em que Jerônimo, o tal irmão, viveu. Este traço marcante destacado na primeira linha, esta capacidade de mentir aos olhos ao confundir manchas de uma superfície plana com corpos e espaços da própria realidade é um estigma que abençoa e persegue a Fotografia desde o nascedouro e objeto central das elucubrações de Barthes. Primo Nicolau, que sempre olhou filósofos com ar de zombaria, não se conteve: o outro aí, com esse nome de limpar garganta, fica discutindo fotografia, como se dona Fotografia fosse se sentar aqui entre nós com seus desejos e manias, a abanar o leque para espantar mosquito... Primo, tem uma coisa que aprendi na convivência com as mulheres: ninguém engana, se não tiver alguém que se deixe enganar... O cara só viu os olhos que tinham visto Napoleão, não porque a fotografia tenha dons de ilusionista, mas porque o ser humano adora ser enganado...
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