Anoiteceu, mas o manto da escuridão se estende devagar. Para os lados do poente sobram vestígios de azuis em que boiam nuvens ainda com sombras de alaranjados. Bem depois, sorria no mesmo céu metade de Lua entre burcas de névoas.
Se não acontecesse todos os dias, o anoitecer teria destaque nas primeiras páginas, nos noticiários de tevê. Surpreenderia a todos com seus jogos de luzes e cores, diorama universal e eterno, pois logo após se deitar aqui, o sol vai se pôr logo adiante, um pouco a oeste e, em seguida mais e mais (lembram-se do Pequeno Príncipe?) até se provar mais uma vez bola, a Terra, nosso pião e o pôr-do-sol surgir pelo avesso como alvorada do lado de lá.
Outubro se fechou sem muita chuva, com doces dias de secura rara por aqui e novembro vai em meio sem chegarem, ainda, os temporais. Mas, dia após dia, em dias cada vez mais longos, nos levarão às enxurradas do verão, aos desastres inevitáveis do ímpeto das águas, à explosão de energia com que matéria atrai matéria e a Terra puxa tudo com gravidade para seu coração.
Por toda parte flores confirmam a estação. Algumas minúsculas, pontinhos de cor em meio à vegetação. Outras, escandalosas, ensaios das escolas que, no carnaval, desfilarão. Uma legião de formigas cortadeiras opera sem descanso e deixa a árvore rendada das nervuras de cada folha. Os cantos de pássaros se multiplicam e, hoje, pouco antes do escurecer muitas cigarras fizeram um escarcéu de atordoar ouvidos.
Daqui a pouco mais de um mês, o solstício de verão assinalará o dia mais longo do ano (aqui, com 13 horas e 36minutos, mais ou menos) e o início do verão, quando os dias começarão a encolher. (Inverta-se tudo para quem está do outro lado do equador). A vida explode e adormece ao sabor das estações, alheia a toda cogitação, contundente em sua beleza.
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