O seu destino - Beleza passageira -Precocidade, limites da sua inteligência -Vivem mais do que os homens no presente, inclinam-se mais para a piedade do que para a justiça; a mentira é-lhes defesa natural para a fraqueza - As paixões das mulheres servem o interêsse da espécie - A rivalidade vem- 1hes da sua vocação única - No íntimo êsse feio sexo não tem o sentimento do belo. Se afetam gostar das artes, é únicamente pelo desejo de agradar - A "dama" do Ocidente - O casamento, uma armadi1ha, uma escravidão - A honra das mulheres. |
O simples aspecto da mulher revela que não é destinada nem aos grandes trabalhos intelectuais, nem aos grandes trabalhos materiais. Paga a sua dívida à vida não pela ação mas pelo sofrimento, as dores da maternidade, os cuidados inquietadores da infância; deve obedecer ao homem, ser uma companheira paciente que lhe torne a existência calma. Não é feita nem para os grandes esforços, nem para dores ou prazeres excessivos, a vida para ela pode decorrer mais silenciosa, mais insignificante, mais serena que a do homem, sem que ela seja, por temperamento, melhor ou pior. [79]
O que torna as mulheres particularmente aptas para cuidar, para dirigir a nossa primeira infância, é o fato delas mesmas se conservarem pueris, frívolas e de inteligência acanhada; conservam-se tôda a vida umas crianças grandes, uma espécie de intermediárias entre a criança e o homem. Observe-se uma jovem divertindo-se um dia inteiro com uma criança, dançando e cantando com ela, e imagine-se o que um homem, com a melhor das vontades faria em seu lugar.
A natureza parece ter querido fazer com as jovens o que se chama em estilo dramático um lance teatral; durante alguns anos adorna-as de uma beleza, de uma graça e de uma perfeição extraordinárias, com detrimento do resto da sua vida, a fim de que durante êsses rápidos anos de brilho possam apoderar-se fortemente da imaginação de um homem e levá-lo a encarregar-se lealmente delas de uma maneira qualquer. Para levar a cabo semelhante empreendimento a pura reflexão e a razão não dariam suficiente garantia. Por isso e natureza deu à mulher armas e instrumentos necessários para lhe assegurar a existência e só durante o tempo indispensável, porque a natureza neste caso procedeu com a sua usual economia: assim como a formiga fêmea, depois da sua união com o macho, perde as asas que lhe seriam inúteis e até perigosas no período de incubação, assim a maior parte das mulheres, depois de dois ou três partos perde a beleza, naturalmente pele mesma razão. Donde resulta as jovens considerarem geralmente as ocupações domésticas ou os deveres do seu estado como coisas acessórias e pura bagatelas, enquanto reconhecem a sua verdadeira vocação no amor, nas conquistas e tudo que daí depende, a toilette, a dança, etc. [80]
Quanto mais nobre e perfeita é uma coisa, tanto mais lenta e tardiamente se desenvolve. A razão e a inteligência do homem só atingem completo desenvolvimento aos vinte e oito anos; na mulher, a maturidade do espírito dá-se aos dezoito anos. Por isso só tem uma razão de dezoito anos estritamente medida. É êsse o motivo por que as mulheres são tôda a vida verdadeiras crianças. Só vêem o que têm diante dos olhos, só pensam no presente, tomando a aparência pela realidade e preferindo as ninharias às coisas mais importantes. O que distingue o homem do animal é a razão; chegado ao presente, lembra-se do passado e pensa no futuro: daí a sue prudência, os seus cuidados, as suas frequentes apreensões A razão débil da mulher não participa nem dessas vantagens nem dêsses inconvenientes; sofre de uma miopia intelectual que lhe permite, por uma espécie de intuição, ver de uma maneira penetrante as coisas próximas; o seu horizonte, porém, é limitado, escapa-lhe o que está distante.
Daí resulta que tudo quanto não é imediato, o passado e o futuro, atuam mais fracamente na mulher do que em nós é também dai que parte a tendência muito frequente para e prodigalidade, e que por vezes chega a ser demência. No fundo do coração as mulheres imaginam que os homens são feitos para ganhar dinheiro e as mulheres para o gastar; se o não podem fazer durante a vida do marido, desforram-se depois da sua morte. E o que contribue para lhes confirmar esta convicção, é o marido dar-lhes dinheiro e encarregá-las de dirigir a casa. - Tantos pontos defeituosos são às vezes compensados por uma vantagem: a mulher mais absorta no momento presente, por menos suportável que êste seja, goza-o mais do que nós, dêste fato resulta essa jovialidade, que lhe [81] é própria e a torna apta para distrair e por vêzes consolar o homem acabrunhado de cuidados, e de inquietações.
Em circunstâncias difíceis é preciso não desdenhar recorrer, como outrora os germanos, aos conselhos das mulheres; porque elas têm uma maneira de conceber as coisas totalmente diferentes da nossa. Vão ao fim pelo caminho mais curto, porque fixam geralmente os olhares, no que têm mais próximo. Nós, pelo contrário, não vemos o que nos salta aos olhos, e vamos procurar muito mais longe; precisamos que nos levem a uma maneira de ver mais simples e mais rápida. Acrescente-se ainda que as mulheres têm decididamente um espírito mais ponderado, e não vêem as coisas senão tal qual elas são; ao passo que nós, impelidos pelas paixões excitadas, aumentamos os objetos, e aperfeiçoamos quimeras.
As próprias aptidões naturais explicam a piedade, a humanidade, a simpatia que as mulheres testemunham aos desgraçados, ao passo que são inferiores aos homens no que diz respeito à equidade, à retidão e à escrupulosa probidade. devido à fraqueza da sua razão, tudo o que é presente, visível, e imediato, exerce sôbre elas um império contra o qual não conseguiria prevalecer nem as abstrações, nem as máximas estabelecidas, nem as resoluções enérgicas, nem consideração alguma do passado ou do futuro, do que se acha afastado ou ausente. Possuem da virtude as primeiras e principais qualidades, mas faltam-lhes as secundárias e as acessórias...
É, portanto, a injustiça o defeito capital dos temperamentos femininos. Isto resulta da falta de bom senso e de reflexão que já frisamos, e o que agrava ainda êste defeito, é que a natureza, recusando-lhes a fôrça, deu-lhes a astúcia, para [82] lhes proteger a fraqueza: donde resulta a instintiva velhacaria e a invencível tendência para a mentira. O leão tem os dentes e as garras: o elefante e o javali as presas, o touro os chifres, a siba a tinta, que lhe serve para turvar a água em volta dela; a natureza deu à mulher para se defender apenas a dissimulação; esta faculdade supre a fôrca que o homem tira do vigor dos membros e da razão. A dissimulação é inata na mulher, tanto na mais esperta como na mais tôla. É-lhe tão natural usá-la em tôdas as ocasiões como a um animal atacado defender-se com as suas armas naturais; e procedendo dêste modo, tem até certo ponto consciência dos seus direitos; o que torna quase impossível encontrar uma mulher absolutamente verdadeira e sincera. É justamente por êste motivo que ela compreende tão fácilmente a dissimulação nos outros e que não é prudente usá-la com ela. - Dêsse defeito fundamental e das suas consequências nascem a falsidade, a infidelidade, a traição, a ingratidão, etc.. Também as mulheres juram falso perante a justiça mais frequentemente do que os homens, e seria um caso para tratar, saber se se deve admití-las a prestar juramento. - Sucede de tempos a tempos, certas senhoras, a quem não falta coisa nenhuma, serem surpreendidas nos estabelecimentos em fragrante delito de roubo.
Os homens novos, belos e robustos, são destinados pela natureza a propagar a espécie humana, para que esta não degenere. Tal é a vontade firme que a natureza exprime pelas paixões das mulheres. É certamente de tôdas as leis a mais antiga e a mais poderosa. Desgraçados, pois, dos interêsses e dos direitos que lhes opuserem obstáculo. Serão, no momento oportuno, suceda o que suceder, implacavelmente [83] esmagados, porque a moral secreta, inconfessável e mesmo inconsciente, mas inata nas mulheres, é esta: "Fundamo-nos no direito de enganar aqueles que podem, pelo fato de proverem economicamente à nossa subsistência, confiscar em seu proveito os direitos da espécie. É a nós que foram confiados, é de nós que dependem a constituição e a salvação da espécie, a criação da geração futura; é a nós que compete realizá-la com tôda a consciência". As mulheres, porém, não se interessam absolutamente nada por êste princípio superior in abstracto, compreendem-no apenas in concreto, e quando a ocasião se apresenta, não têm outro modo de o exprimir senão pela maneira de proceder; e sôbre êste assunto a consciência deixa-as muito mais em sossêgo do que se poderia crer, porque no íntimo do coração, sentem vagamente que traindo os seus deveres para com o indivíduo, cumprem-no ainda melhor para com a espécie que tem direitos infinitamente superiores.
Como as mulheres são criadas unicamente para a propagação da espécie e como tôda a sua vocação se concentra nesse ponto, vivem mais para a espécie que para os indivíduos, e tomam mais a peito os interêsses da espécie que os dos indivíduos. É o que dá a todo o seu ser e ao seu procedimento uma certa leviandade e opiniões opostas às dos homens: donde procede essa desunião tão frequente no casamento, que já se tornou quase normal.
Os homens entre si são naturalmente indiferentes, as mulheres são, por índole, inimigas. Isto provém talvez de que l' odium figulinum, a rivalidade que se restringe no homem aos que exercem a mesma profissão, abrange nas mulheres tôda a espécie, porque tôdas elas só têm uma mesma profissão, [84] um mesmo fim. Na rua, basta que se encontrem para trocarem olhares de Guelfos e de Gibelinos. Salta aos olhos que num primeiro encontro duas mulheres têm mais embaraço, dissimulação e reserva que teriam dois homens em caso idêntico. Pela mesma razão os cumprimentos entre mulheres parecem mais ridículos do que entre homens. Note-se ainda que o homem em geral fala com uma certa consideração e humanidade aos mais ínfimos dos seus subordinados, mas torna-se insuportável ver com que altivez uma senhora da sociedade se dirige a uma mulher de classe inferior, que não esteja ao seu serviço. A causa é talvez que entre mulheres as diferenças de classe são muito mais precárias que entre os homens e que essas diferenças podem fácilmente ser modificadas ou suprimidas; a situação que um homem ocupa depende de mil considerações; com respeito às mulheres uma só decide tudo: o homem a quem souberam agradar. A sua única atribuição coloca-as numa certa igualdade bem mais marcada, e por isso procuram criar entre elas diferenças de situação.
Foi necessário que a inteligência do homem se achasse obscurecida pelo amor para que chamasse belo a êsse sexo de pequena estatura, ombros estreitos, ancas largas e pernas curtas; tôda a sua beleza de fato reside no instinto do amor. Em lugar de o denominar belo, teria sido mais justo denominando-o inestético. As mulheres não têm nem o sentimento nem a inteligência da música, mais do que o da poesia, ou o das artes plásticas; fingem-no por pura imitação, puro pretexto, pura afetação explorada pelo desejo de agradarem. São incapazes de tomar uma parte desinteressada seja em que fôr e pela seguinte razão: O homem em tôdas as coisas esforça-se por dominar diretamente ou pela inteligência, ou pela fôrça; [85] a mulher, pelo contrário acha se sempre e em tôda a parte reduzida a um domínio absolutamente indireto, isto é, o seu poder vem-lhe do homem, e é sôbre êle só que ela exerce uma influência imediata. Portanto, a natureza leva as mulheres a procurar em tôdas as coisas um meio de conquistar o homem, e o interêsse que parecem tomar peias coisas exteriores é sempre um fingimento, uma sutileza, isto é, pura garridice e pura imitação. Disse-o Rousseau: "As mulheres em geral não apreciam arte alguma, não as conhecem e não têm talento nenhum".
Aqueles que não se fiam nas aparências já certamente o notaram. Basta observar o que as ocupa e lhes atrai a atenção num concêrto, na ópera ou na comédia, notar a sem-cerimônia com que, nas mais belos passagens das maiores obras primas, continuam a sua tagarelice. Se é verdade os gregos não admitirem mulheres nos espetáculos, tinham muita razão: nos seus teatros podia-se pelo menos ouvir alguma coisa. No nosso tempo, seria bom acrescentar ao mulier taceat inecclesia, um taceat mulier in theatro, ou senão substituir um preceito pelo outro, e suspender êste último em letras grandes no pano da cena. - Mas que melhor se pode esperar da parte das mulheres, se refletirmos que no mundo inteiro, êsse sexo não pôde produzir um único espírito verdadeiramente grande, nem uma obra completa e original nas belas artes, nem, fôsse no que fôsse, uma única obra de valor durável? Este fato é empolgante na pintura; todavia elas são tão aptas como nós para lhes compreender o lado técnico e cultivam assiduamente esta arte, sem conseguirem produzir uma só obra prima, porque lhes falta justamente essa objetividade de espírito que é sobretudo [86] necessário na pintura. As mulheres banais nem mesmo são capazes de lhe compreender as belezas, porque natura non facit saltus. Huarte, na sua célebre obra Examen de ingenios para las sciencias, que data de trezentos anos, recusa às mulheres tôda a capacidade superior. Exceções isoladas e parciais não alteram êste estado de coisas; as mulheres são, e permanecerão, tomadas no conjunto, os Filisteus mais completos e incuráveis. Devido à nossa organização social, absurda no último grau, que as faz partilhar o título e a situação do homem por muito elevados que êles sejam, excitam-lhe com encarniçamento as ambições menos nobres, e por uma consequência natural dêsse absurdo, o seu domínio, o tom que impõe, corrompem a sociedade moderna. Dever-se-ia tomar como regra esta sentença de Napoleão I: "As mulheres não têm categoria". Chamfort diz também com muito acêrto: "São feitas para negociarem com as nossas fraquezas, com a nossa loucura, mas não com a nossa razão. Existem entre elas e os homens simpatias de epiderme, e muito poucas simpatias de espírito, de alma e de caráter." As mulheres são o sexus sequior, o sexo segundo a todos os respeitos, feito para se conservar à parte e no segundo plano. Certamente, deve-se-lhe poupar a fraqueza, mas é ridículo prestar-lhe homenagem, o que até nos avilta aos seus olhos. A natureza, separando a espécie humana em duas categorias, não fez as partes iguais... - Foi o que muito bem pensaram em todos os tempos os antigos e os povos do Oriente; compreendiam melhor o papel que convém às mulheres, do que nós fazemos com a nossa galantaria à antiga moda franceza e a nossa estúpida veneração, que é na verdade a ostentação mais completa da tolice germano-cristã. isto só serviu para as tornar arrogantes e impertinentes: por [87] vezes fazem-me pensar nos macacos sagrados de Benarés, que têm uma tão grande consciência da sua dignidade sacrossanta e da sua inviolabilidade, que julgam que tudo lhes é permitido.
A mulher no Ocidente, o que chamam a dama, encontra-se numa posição absolutamente falsa, porque a mulher, o sexus sequior dos antigos, não tem nada para inspirar veneração e receber homenagens, nem para levantar mais a cabeça que o homem, nem para ter direitos iguais aos dêle. As consequências dessa falsa situação são demasiado evidentes. Seria para desejar que na Europa se colocasse no seu lugar natural êsse número dois da espécie humana e se suprimisse a dama, alvo das zombarias da Asia inteira, de quem Roma e a Grécia também se riram.
Esta reforma seria um verdadeiro benefício sob o ponto de vista político e social. O princípio da lei sálica é tão evidente, tão indiscutível, que parece inútil formular. O que se chama verdadeiramente a dama europeia é uma espécie de ser que não deveria existir. Só devia haver no mundo mulheres retiradas, aplicando-se aos trabalhos domésticos, e raparigas aspirando ao mesmo fim e que se educariam sem arrogância, para o trabalho e para a sua missão. É precisamente por haver damas na Europa que as mulheres de classe inferior, isto é, a maior parte, são muito mais para lastimar do que no Oriente.
As leis que regem o casamento na Europa supõem a mulher igual ao homem, e têm assim um ponto de partida falso. No nosso hemisfério monógamo, casar, é perder metade dos direitos e duplicar os deveres. Em todo o caso, visto que as leis [88] concederam às mulheres os mesmos direitos dos homens, também lhe deveriam ter conferido uma razão viril. Quanto mais as leis conferem às mulheres direitos e honras superiores ao seu merecimentos, mais restringem o número daquelas que têm realmente parte nesses favores, e tiram às outras os seus direitos naturais, na mesma proporção em que deram direitos excepcionais a algumas privilegiadas. A vantagem que a monogamia e as leis que daí resultam concedem à mulher, proclamando-a igual ao homem, o que ela não é sob ponto nenhum de vista, produz esta consequência que os homens sensatos e prudentes hesitam muitas vezes em se deixarem arrastar a um tão grande sacrifício, e um pacto tão desigual. Entre os povos polígamos, cada mulher encontra quem se encarregue dela, entre nós pelo contrário o número de mulheres casadas é bem restrito e há um número infinito de mulheres destituídas de proteção, solteironas vegetando tristemente nas classes elevadas da sociedade, pobres criaturas destinadas a trabalhos rudes e difíceis nas classes inferiores. Ou senão tornam-se miseráveis prostitutas, arrastando uma existência vergonhosa e impelidas pelas fôrças das circunstâncias a formar uma espécie de classe pública e reconhecida, cujo fim especial é preservar dos perigos da sedução as mulheres felizes que encontram marido ou que ainda esperam encontrá-lo.
Só na cidade de Londres há 80.000 mulheres públicas: verdadeiras vítimas da monogamia, cruelmente imoladas no altar do casamento. Tôdas essas desgraçadas são a compensação inevitável da dama europeia, com a sua arrogância e pretensões. Por isso a poligamia é um verdadeiro benefício para as mulheres consideradas no seu conjunto. [89] Demais, sob o ponto de vista racional, não se compreende o motivo por que, se uma mulher sofre de algum mal cronico, ou se não tem filhos, ou se está demasiado idosa, o marido não possa ter uma segunda. O que fêz o sucesso dos Mormões, foi justamente a supressão desta monstruosa monogamia. Concedendo à mulher direitos acima da natureza, impuseram-lhe igualmente deveres semelhantes, donde lhe provém uma infinidade de desgraças. Essas exigências de classe e de fortuna são de fato de um tão grande pêso que o homem que se casa comete uma imprudência se não contrair um casamento brilhante; se deseja encontrar uma mulher que lhe agrade completamente, procurala-á fora do matrimônio, e contentar-se-á em assegurar a situação de amante e dos filhos. Se pode fazê-lo de uma maneira justa, razoável, suficiente e a mulher cede, sem exigir rigorosamente os direitos exagerados que só o casamento lhe concede, perde então a honre, porque o casamento é a base da sociedade civil, e prepara-se uma triste existência, porque é feitio do homem preocupar-se desmedidamente com a opinião dos mais. Se, pelo contrário, a mulher resiste, corre o risco de desposar um marido que lhe desagrada, ou ficar solteira; porque tem poucos anos para se decidir. F sob êste ponto de vista da monogamia que é útil ler o tratado sábio e profundo de Thomasius De concubinatu. Vê-se aí que, entre os povos civilizados de todos os tempos, até h Reforma, o concubinato foi uma instituição admitida, até certo ponto legalmente reconhecida e de forma alguma desonrosa. Foi a reforma Luterana que a rebaixou, porque encontrava nela uma [90] justificação do casamento dos padres, e a igreja católica não podia ficar para trás.
É ocioso disputar acêrca da poligamia, visto que ela de fato existe em tôda a parte e apenas se trata de a organizar. Onde é que se encontram verdadeiros monógamos? Todos pelo menos durante algum tempo, e a maior parte quase sempre, vivemos na poligamia. Se todo o homem carece de várias mulheres, é perfeitamente justo que se encontre livre, e mesmo que seja obrigado a encarregar-se de umas poucas de mulheres; estas voltarão assim ao seu verdadeiro papel, que é o de um ente subordinado, e ver-se-á desaparecer dêste mundo a dama êsse monstrum da civilização europeia e da tolice germano-cristã, com as suas ridículas pretensões ao respeito e à honra; acaba-se com as damas, mas acaba-se também com essas desgraçadas que enchem agora a Europa!
...É evidente que a mulher por temperamento é destinada a obedecer. E a prova é que aquela que se acha neste estado de independência absoluta contrária ao seu temperamento se liga imediatamente a qualquer homem per quem se deixa dirigir e dominar, porque carece de um senhor. Se é nova, arranja um amante; se é velha, um confessor.
O casamento é uma armadilha que a natureza nos prepara. [91]
A honra das mulheres, assim como a honra dos homens, é um "espírito de corpo" bem entendido. A primeira é a mais importante das duas; porque na vida das mulheres as relações sexuais são a coisa principal. - A honra para uma rapariga consiste na confiança que a sua inocência inspira, e para uma mulher na sua fidelidade ao marido. As mulheres esperam e exigem dos homens tudo quanto lhes é necessário e tudo quanto desejam. O homem só exige uma coisa da mulher, As mulheres têm portanto que proceder de modo que os homens não possam obter delas essa coisa única senão em troca da proteção que êles prometem dar a elas e aos futuros filhos: dessa combinação depende a felicidade de tôdas as mulheres. Para a obter, é indispensável que se auxiliem mutuamente e dêm provas do espírito de corpo. Por isso caminham como uma só mulher e em filas unidas ao encontro dos homens que, devido ao predomínio físico e intelectual, possuem todos os bens terrestres,' é êsse o inimigo que se trata de vencer e conquistar, para chegar por meio dessa vitória a possuir os bens da terra. A primeira máxima da honra feminina tem sido, pois, que se deve recusar implacavelmente ao homem tôdas as relações ilegítimas, a fim de o obrigar a uma espécie de capitulação por meio do casamento único modo do elemento feminino obter proteção. Para atingir êste resultado, a máxima precedente deve ser rigorosamente respeitada; tôdas as mulheres com verdadeiro espirito de corpo velam pela sua [92] execução. Uma jovem que se deixa seduzir tornou-se culpada de traição para com todo o seu sexo, porque se êsse ato se generalizasse, comprometer-se-ia o interêsse comum; expulsam-na da comunidade, acabrunham-na de vergonha; perdeu por êsse fato a honra. Tôdas as mulheres devem fugir dela como de uma pestífera. A mesma sorte espera a mulher adúltera porque faltou a um dos termos da capitulação consentida pelo marido. O seu exemplo seria de molde a desviar os homens de assinalar semelhante tratado, de que depende a salvação de tôdas as mulheres. Além da honra peculiar ao seu sexo, a mulher adúltera perde igualmente a honra civil, porque o seu ato constitue um engano, uma falta grosseira à fé jurada. Pode dizer-se com certa indulgência "uma jovem enganada", não se diz "uma mulher enganada". O sedutor pode bem pelo casamento restituir a honra à primeira, não pode restituí-la à segunda, nem mesmo após o divórcio. - Vendo claramente os fatos, reconhece-se, portanto, que um espírito de corpo útil, indispensável, mas bem calculado e fundado no interesse, é o principio da honra das mulheres: não se pode negar a sua extrema importância no destino da mulher, mas não se lhe deve atribuir um valor absoluto, além da vida e dos fins da vida, e merecendo que se lhe sacrifique a própria existência...
O que provaria de um modo geral que a honra das mulheres não tem uma origem verdadeiramente conforme à natureza, é o número de vitimas que lhe são oferecidas, [93] infanticídios, suicídios das mães. Se uma rapariga pelo fato de ter um amante comete uma verdadeira traição para com o seu sexo, não esqueçamos que o pacto feminino havia sido aceite tacitamente sem compromisso formal da sua parte. E como na maioria dos casos é ela a primeira vítima, a loucura nela é infinitamente maior que a depravação.
Artur Schopenhauer, "Dores do Mundo". 4ª ed. da Edições e Publicações Brasil S. A., 1960 (os números entre colchetes indicam os parágrafos)