(de esporadicidade imprevisível)
Espirros e lucubrações
26/04/18
Um súbito espirro, realmente forte, trouxe à lembrança a presença desse outro órgão, tão vital como o coração e maltratado, ao longo de 37 anos, pelas fumaças de mais de trinta mil cigarros, claro, menos as bitucas todas a encher cinzeiros ou poluir o ambiente com descartes irresponsáveis, onde quer que viessem a cair. As cinzas, supunha, não produziam danos na natureza. Vez ou outra, vinha-lhe um espirro profundo como aquele, emanado das entranhas mais fundas de um pulmão vítima de tantos maus-tratos. Perguntava-se, então, se o ar poluído da cidade febril poderia motivar tais espasmos violentos, que ele tanto abominava. Desta vez, porém, face ao "balanço" de suas décadas de tabagismo — vício poderoso e sempre idiota: começara por namorar, na adolescência, uma fumante! — desta vez suas mudas especulações tomaram outro rumo e ele se pôs a multiplicar mentalmente aqueles 30 mil cigarros, uma média apenas, pelo número de fumantes... mas quantos fumantes existiriam no mundo? Qualquer que fosse a quantidade de tabagistas, visualizava uma montanha gigantesca de bitucas ou guimbas, nojentas como soe serem todas as guimbas e bitucas. Depois, se perguntou quando aconteceria o próximo espirro. Perguntou por perguntar, não poderia saber, em verdade, nem mesmo se haveria um próximo espirro. O futuro não existe ou, se preferir, quando existir será presente. Assim toda previsão, toda projeção, toda adivinhação do futuro leva consigo a possibilidade de erro. A única exceção é a certeza da morte de cada ser vivo. Aliás, encarava a morte como o último e indispensável passo da toda vida, de cada ser vivente. Alguns não "aceitam a ideia" de sua própria morte no futuro. Revoltam-se ante esta fatalidade, mesmo sabendo a inutilidade da revolta. Atitude tão inócua quanto abominar espirros súbitos. |
Thu, 26 Apr 2018 11:40:26 -0300 ótima crônica!!! Precisa, impecável. sem assinatura Obrigado, malgrado toda suspeição que você merece.. Thu, 26 Apr 2018 12:18:54 -0300 Ei ei, hermano... sem assinatura Triste lembrança cheia de fumaça... Thu, 26 Apr 2018 20:27:46 -0300 Eu tenho um tio chamado Golfredo que parou de fumar depois de décadas , ele fumava muito, tinha os dedos e bigodes amarelados de nicotina. Me disse que parou no di a que fez um calculo. 3 maços, 60 cigarros enfileirados dariam 6 metros, Imaginou se com esse cigarrão entre os dedos e achou muito ridículo.beijos lu Que ótima história! |
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