Explicações Desnecessárias

 

A melhor coisa da burocracia é o nome. Vem do francês: bureau seguido do mesmo sufixo que serve à aristocracia, à oligocracia, à plutocracia, à tecnocracia etc. Bureau é, literalmente, escrivaninha. O velho exemplar do dicionário de Domingos Azevedo (1918), define: "mesa para escrever, secretária, papeleira."; Ditadura da escrivaninha poderia ser uma definição aceitável. Fora a etimologia, a burocracia tem uma utilidade: garantir sustento duradouro aos burocratas. Mostram nesta "arte", mais que em qualquer outra, grande perícia.

Digo tudo isso para justificar duas ou três explicações absolutamente desnecessárias. A primeira: a crônica de ontem foi publicada com data de sexta-feira por ser, de fato, daquele dia. Não foi possível, apenas, a enviar para cá, pois os novos donos (Yahoo) fizeram mudanças "integrando seus computadores com os da GeoCities", durante toda sexta e sábado segundo os ritos da burocracia...

A outra diz respeito ao conteúdo da própria crônica. Uma leitora fiel assinalou que nada compreendeu e, gentil, gentilíssima, tomou a culpa para si. Bobagem. Por uma lei banal, que nem sei se sequer foi redigida, a culpa é, sempre foi e será sempre do escrivinhador. Cabe, pois, reparo.

O resumo da ópera é simples: quem senta numa cadeira e deita fileiras de palavras, sempre está numa posição muito confortável para criticar tudo e todos. É fácil. Lembro de um pequeno anúncio que vi num grande jornal anunciando um de seus cronistas. Dizia: "a metralhadora giratória de Fulano De Tal..."Pelo visto, além de fácil, dá ibope.

Ora, sentei na cadeira do crítico e já ia metralhar, deixar transbordar o espanto diante do mundo dos negócios, cheio de eufemismos e metáforas para evitar termos militares, na guerra que os negociantes travam entre si, na forma como encaram e lidam com os compradores de suas mercadorias, onde eufemismos e metáforas surgem para evitar chamá-los diretamente de idiotas, de meros números, estatísticas facilmente manipuláveis etc. Espanto pela citação de um livro considerado sagrado, onde se insinua ser o próprio deus coordenador de espionagem, para justificar a tal de "inteligência competitiva" eufemismo definido por um experto de Boston - não, dona Sabrina, experto é como o dicionário prefere que se diga expert, especialista, de Boston, dona Sabrina, de Boston, a cidade, lá nos Estados Unidos! - inteligência competitiva que o moço de Boston define como "uma estratégia para a empresa descobrir o que se passa no ambiente de negócios do seu setor, e esse conhecimento dá aos executivos condições de tomar atitudes que forneçam à empresa uma vantagem sobre seus concorrentes". Como se vê, não há o hábito de chamar as coisas por seus verdadeiros nomes...

Aí, lembrei-me que é fácil, inútil e, pior, parte de todo esse jogo, criticar. Lembrei-me do cronista louvado como metralhadora giratória. Lembrei-me que somos a sociedade que fazemos e que, se olharmos direito, sempre descobriremos em nós, na nossa vida, no nosso modo de ser, alguma faceta do que criticamos com tanta veemência...

Como se vê, eram explicações totalmente desnecessárias.

 

Publicada terça-feira, 29 de junho de 1999

 

 

|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|

 

 

191