Crônica do dia
Publicação esporádica, destinada a se perder como o mugido da vaca que, todavia muge, apesar da declaração expressa da inutilidade de seu berro.

Feriado nacional

12/10/07

Tempo seco. Ar irrespirável. Atmosfera suja, a se esfatiar. O sol desde cedo eleva o álcool vermelho do termômetro - preferia os de outrora, que se quebravam em fascinantes pelotas de mercúrio a grudar-se e partir-se como magia e nos preparar para aprender o que é tensão superficial. Meio-dia e meia, 31°C! Ainda subirá, pois apenas a sujeira, por enquanto, para bloquear a radiação.

É feriado nacional. O país se afirma laico e comemora, como este, inúmeros feriados em dias sagrados de uma mesma religião. Laico? Ao fundo e no centro, sobre as mesas do Congresso, paira ícone desta mesma religião. Laico? As cigarras eclodiram em cantoria monumental hoje. Muitas, por toda parte. Quem parasse para prestar atenção aos muitos cantares não teria dúvidas de que, embora distantes, falam entre si. Falar talvez seja um verbo inapropriado, mas o fato é que depois da estridência ensurdecedora o indivíduo cala e se pode ouvir outro, bem longe, que parece lhe responder.

Hoje não seria dia de coniquim pelo feriado oficial mas, pecador para alguns, ateu para outros, agnóstico acolá ou de rótulo deslavado para míopes e desavisados, croniquemos porque tem leitor que não lê pela constituição nem pelo catecismo romano cristão e além da cantoria ensurdecedora de um monte de cigarras que, na certa, saíram da pupa no mesmo dia, hoje também se abriram todos os botões de ontem em delicadas flores de íris, azuis, sob a batuta precisa que não precisa calendário ou feriado e faz de cada dia um novo dia, no milagre que culto algum pode realizar.

flor d íris
flor de íris

A natureza clama por água. O pó do chão ofusca e tudo iguala. Prometem chuvas. Deverão vir inundações. O clima anda meio desarranjado. A sombra de Malthus espraia-se sobre os tempos. Pasmariam ainda os tempos os indivíduos? Ou os indivíduos perderam a capacidade de pasmar?

|volta| |home| |índice das crônicas| |mail| |anteriorcarta701 carta707

2454025.721