desenho de Mima Crônica do dia

[No fim, cada mania acha seu louco.]

Florada

04/03/09

Há meio século, deitava-me em um quarto de uma casa que não existe mais e, entre a moldura da janela alta e o recorte de muros e telhados vizinhos extasiava-me com o azul, cor a reverberar intensa e pura, cuja intensidade e pureza, adulto, jamais revi.

Hoje, o dia chegou ensolarado a rasgar promessas desde o horizonte. No rádio, a voz esganiçada dizia forte o sol e azul o céu, isento de nuvens mas, ao levantar os olhos vi de um pálido azul a abóbada de leste a oeste, de norte a sul e foi fatal a comparação com o azul incomparável dos céus azuis do Rio de Janeiro, no final dos anos cinqüenta.

Feita a ressalva sobre a cor do céu, o dia segue como verão que é, ao som de muitos grilos, confirmação da estação, apesar do tapete espesso de flores e folhas estendido sob a copa imensa da paineira, até o outro lado da rua. Pelo caminho sob ela, em dois montes de meio metro de altura por um de base, mais ou menos, empilham-se folhas e flores varridas nas vésperas.

Chega a doer a pancada da flor que cai inteira, não despetalada. Pesei a flor: sete gramas, na média. Cogito sobre o peso suportado pela copa da árvore, mas sou incapaz de avaliar. Dia após dia, flores e folhas espalham-se num grande círculo, entre 15 e 20 metros de raio.

Ao se olhar para cima constata-se número muito maior de flores e folhas ainda na árvore. Ao menor sopro, chovem folhas em abundancia e, com elas, como grossos pingos, pétalas espessas despetaladas e uma ou outra flor inteira, qual granizo a se estatelar no solo aberta num pentágono de pétalas e um grosso pistilo.

O dia avança, o ar esquenta, os grilos calam e, volta e meia, o cão se põe a uivar em incompreensível lamentação. Quando o outono chegar, em pouco mais de duas semanas, restarão poucas folhas na paineira para vir ao chão, marrons, sem amarelos, laranjas e dourados.

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