A repórter ajustou o cachecol na manhã fria. Ainda por cima, chuviscava. A gente dali chamaria de garoenta a manhã. Aquela manhã e, não, amanhã, pensou Malvina, enquanto esperava o chamado da rádio no 'local do ocorrido'. O linguajar do jornalista e da polícia se amalgamavam. O ocorrido deixara três mortos e feridos. O ônibus se descontrolou bem ali, no centro da cidade e, agora, abraçava dois postes sobre a calçada. Em cima do passeio público, perto do ponto de ônibus, parecia muito maior. Um passante exclamou: caramba, parece um trem! Um mineiro, que ouviu, pensou e calou na mineirice: todo trem é 'um trem', uai. Tocou o telefone na bolsa de Malvina. A central avisou que entraria no ar em dois minutos. Ela avisou ao chefe local do policiamento - ele daria uma entrevista para explicar o 'ocorrido'. A diferença entre a reportagem policial e os beós - não dona Sabrina, beós não é corruptela de beócio, refere-se ao 'boletim de ocorrência', que os escrivães de polícia 'lavram' aos borbotões nas delegacias - a diferença, dizia, é cada vez menor. O delegado explicou que 'a Perícia estava a caminho', que 'os corpos serão removidos' e repetiu a lengalenga. Contou que Fancenildo, o motorista do ônibus, 'foi um dos mortos', infelizmente. Usou o advérbio ao lembrar que ele teria sido fundamental nas investigações. Aliás, seria o 'suspeito ideal', pensou. O que ele, Malvina nem ninguém saberia é que Fancenildo, passara a noite com uma namorada. Ele, que por um desses mistérios atraía muitas mulheres, apesar de não ser um sucesso potencial de telas ou passarelas, via que elas passavam por seu quarto humilde, em bairro distante e achavam excelente o vinho barato e o arroz carreteiro. Naquela noite tinha ficado com Zileide - tão linda!, dizia, de uma paixão antiga... A vida escreve outra por baixo da que se vê. |
NOTA: hoje houve um acidente com um ônibus articulado, na Praça João Mendes, centro de São Paulo, onde morreu uma moça de 30 anos.