Nada disso, dona Sabrina, nada disso. Jactar-se não tem
nada a ver com regar o jardim, dona Sabrina e, tampouco, com os
valorosos soldados do fogo. Não, dona Sabrina, não.
Não são soldados de uma tropa de elite dos exércitos
de Satanás. É fogo, dona Sabrina, é fogo!
Eu sei, eu sei e, além do mais, nem tudo é soldado
com fogo, também existe solda elétrica, solda a
chumbo e outras soldas mais... Soldas, dona Sabrina, soldas! Soldos
são dos soldados, eu sei, são os soldos que soldam,
não: que saldam... deixa pra lá, está ficando
muito complicado, dona Sabrina, eu só ia dizer, que jactar-se,
gabar-se, ufanar-se, dos próprios feitos, vangloriar-se
de supostas ou efetivas glórias, sabe, dona Sabrina, me
sabe estranho, apesar de tão comum.
O sujeito começa: "Porque eu fui, porque fiz isso
e aquilo, porque eu disse, falei com todas as letras, na cara
dele..." Fala com a boca cheia e o peito estufado e conta
suas glórias, seja ele o Mané das pizzas ou Napoleão
Bonaparte. Vale notar, que é totalmente dispensável
a compreensão da língua que fala o fanfarrão,
para se saber todo o conteúdo de seu discurso. A entonação
diz muito mais do que o que as palavras. Pode ser português
da Ilha da Madeira, o dialeto dos surfistas da Praia do Diabo
ou Swahili, pouco importa, o tom da bazófia é inconfundível.
Seria desonesto, no entanto, se omitisse aqui que, nesse quesito,
os homens dão de dez a zero na mulheres. Cravo este escore
tranqüilo, por me não lembrar de ter visto, uma única
vez, qualquer mulher se jactando assim. Calma, Valdemar, calma.
Claro que você se lembra de inúmeros casos e eram
mulheres terríveis, não é Valdemar, terríveis
e que viviam a jactar-se, de boca cheia e peito estufado, certo
Valdemar? E não vai dizer, também, que em matéria
de peito estufado elas são muito mais poderosas? Mas agora,
cala a boca, que falo eu. Que me lembre, vi apenas homens contando
façanhas imaginárias, feitos e glórias que
só a um Alexandre caberia cantar. "Aí, eu disse,
na cara dele, tu pensas que berimbau é gaita?... e, depois
falei: toma tento, porque, senão... " Na maioria das
vezes, são guerras verbais, onde as piores baixas sacrificam
pronomes, concordâncias, e coisas assim... Ah, o subjuntivo
também. Nossa! Como somos nossos hormônios, com o
tempero apimentado de nossos neurônios! Ah, quanto do animal
dorme ainda um sono leve em nós!
Não é de espantar, me parece, que seja um comportamento
tipicamente masculino. Nem me surpreenderia se, um belo dia, algum
cientista alucinado descobrisse uma enzima, ou algo assim, ligada
aos hormônios masculinos e coisa e tal, que justificasse
e explicasse esse comportamento de fanfarronice. Poderiam chamar
a suposta enzima de bazofina, por exemplo, mas creio que os médicos
iriam preferir fanfarronicina, que se parece mais com nome de
remédio.
Por que tanta bobagem? Pelo fascínio do anti-herói.
Imagino entrar numa livraria e descobrir nas prateleiras a Obra
e Vida Completa do Zé ninguém, em 17 volumes ou,
os 12 Trabalhos de Joaquim da Silva, e poder encontrar aí,
leitura agradável e ficar tão preso à obra
como acontece com os poquetebuques de detetives, para a maioria.
Queria a simplicidade de poder contar bobagens, onde me dei mal,
saí derrotado, fiz tudo errado, meti os pés pelas
mãos e, mesmo assim, essas bobagens tivessem gosto de pasta
de dente com café, ou qualquer outra coisa humana, apenas
humana. Acho que essa maluquice toda é uma certa indigestão
de super-heróis. Se abrimos mão do super-herói,
não é mais preciso a tragédia, a catástrofe,
o cataclismo, a guerra. Pode-se abrir mão, até,
do simples cadáver, tão usado para começar
a história...
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