Em verdade, ele tinha medo de mulher. Morria de medo de mulher. Dono de um desejo avassalador e impulso que temia incontrolável, teimoso e obsessivo, era impossível enxergar na mulher desejada uma simples mortal. Logo a punha em pedestal, lhe erigia olimpo, ainda que seu e virtual. Ao fazê-la deusa a tornava intocável. Como se dirigir a um deus?
Na torrente de sentimentos que não podia compreender, temia, tinha medo de mulher, das que desejava, e quanto mais forte o desejo, maior o temor. Tremia ante o pensamento de se dirigir a quem tanto queria.
Foi assim que quando ela surgiu na porta da classe de bancos de ferro fundido e ripas largas, que acomodavam os alunos dois a dois, soube de imediato do avento de sua deusa.
Sonhava com ela, dormindo e acordado, em devaneios, estava com ela. Devaneios tão nítidos que parecia os poder cheirar e apalpar. Neles, a mesma cena se repetia: ela vinha do banho, chegava ao quarto enrolada numa toalha - só havia a cena do quarto, a do banho, não - e, no quarto, deixava cair a toalha e se sentava à penteadeira de muitos espelhos, onde começava a se pentear. Óbvio que ele nunca fora a sua casa, mas sabia de cor cada detalhe daquele quarto de tanto o imaginar. Sempre de costas, sempre em cuidados com os longos cabelos ou a pintar os lábios com batom... sim, devaneios com gosto de batom.
Gosto de batom! Um dia, sentaram-se lado a lado. Ele ao lado da deusa de seus quinze anos, na carteira que parecia banco de jardim. Quando a aula já ia acabar, morrendo de medo do desastre iminente, achou coragem para dizer: bonita a cor do seu batom... - o máximo que conseguiu. Ela olhou e disse com toda naturalidade, como se continuasse um longo papo: ... e tem gosto. Este tem gosto de cereja. Em casa, tem outro com gosto de café-com-leite.
Ele calou. Não pediu para provar.
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