'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Igual ao raio

24/02/12

Assistia a uma aula de Geometria do professor José de Arimatéia Cisne, um padre na São Luiz de quase um século atrás. Do umbral da porta da sala de aula, via um aluno, com uniforme de recruta, pois cumpria o serviço militar obrigatório, diante do hexágono regular, rabiscado no quadro-negro, dentro de um círculo, em busca da prova de ser o lado do polígono igual ao raio do círculo circunscrito. Como o aluno parecesse empacado em sua tentativa, José de Arimatéia provocou: aposto que o Jorge, ali na porta e que nem aluno é, sabe.

Daí em diante a história, contada por meu pai, dá uma guinada, por modéstia certamente, verdadeira ou falsa e, em vez de descrever sua performance diante da turma ao fazer a demonstração (concluiria ele, adolescente ainda, com seu infalível c. q. d. de mais tarde?), mas, dizia eu, em vez de contar-se, personagem da história, derivava para a obviedade da igualdade que se queria provar e a mostrava mais uma vez, com o evidente prazer auferido de tais explicações:

Partia da divisão dos 360 graus do círculo pelo número de lados do hexágono, mostrava, em seguida, ser equilátero o triângulo formado pelo lado do polígono e dois raios do círculo, onde já estva implícita a igualdade que se pretendia demonstrar.

À pergunta de por que este relato, respondo: deriva de imaginar o manto de pequenos pedaços de vidas não registrados a esconderem uma vasta história do Homem. Verdades ou fábulas que se evaporam com o apagar de cada cérebro.

Que fique como cena perdida de um filme que nunca existirá. Talvez um dia meus netos gostem de a encontrar, talvez se desmilingua antes. O ano seria 1924. Nossa perspectiva do tempo muda como nossa pele com o passar dos anos. Aquele 1924 já me pareceu remotíssimo, pré-histórico quase. Hoje, o vejo bem ali, a menos de um século, ao alcance da mão...

24 de fevereiro de 2012 11:03

que linda crônica parabéns!
beijos lu

Obrigado.


24 de fevereiro de 2012 11:13

  Delícia de texto e estória. Grande S.Jorge! E, claro,concordo totalmente com o final. bj.

      sem assinatura

Pois é, na infância um ano parece durar para sempre...


24 de fevereiro de 2012 12:39

Olá Clode

Já estava sentindo falta de seus escritos e quase que lhe enviei um e-mail para reclamar: ora essa, cadê você, Clode?
E hoje encontrei este seu "Igual ao Raio", que pelo título pensei ser alguma crônica sobre os raios (incríveis) que temos visto ultimamente cair, com as chuvas de verão.

Adorei e fiquei com vontade de ler mais...

Abraços da Vera

Raios dos temporais são mais espetaculares. Aqui, era apenas o raio de um círculo.


24 de fevereiro de 2012 18:30

mais uma beleza de texto, meu irmão.
até mesmo pra quem nem imagina quem viria a ser o Professor Kubrusly.

bjo bjo

      sem assinatura

Obrigado.
Sim, surpreendeu-me agradar a gente fora da família.
   (ou, como mamãe usava com as empregadas: "o professor")

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