A umidade é insalubre. Nietzsche já o aponta em "Ecce Homo", no capítulo "Por que sou tão inteligente" e ali assinala cidades onde seria possível uma vida saudável. Observa ter o melhor da inteligência frutificado em climas secos: "Pense-se nos lugares em que há ou houve homens ricos de espírito, em que engenho, refinamento, malícia são parte da felicidade, onde o gênio, quase que necessariamente, sentiu-se em casa: todos possuem um ar magnificamente seco. Paris, a Provença, Florença, Jerusalém, Atenas - este nomes provam algo: o gênio é condicionado pelo ar seco, pelo céu puro ...." Este ano tem sido, neste recanto do fim do mundo, aguado demais. Nada seca e a simples gota sobrevive dias a fio. O grau de umidade do ar tem beirado a saturação, o ponto orvalho, quando o ar, literalmente, se liquefaz. Não há saúde, física e mental, que o possa suportar. Duvido que a Alemanha do filósofo pudesse se igualar às águas aqui derramadas neste verão. Dias cinzentos, encharcados, chãos empapados, alimentos, roupas, tudo corrompido pelo ar molhado, pela impossibilidade de qualquer evaporação. E, no entanto, o filósofo anota sobre sua terra natal: "o clima alemão em si já é suficiente para desencorajar vísceras fortes", ao ponderar: "Pequena que seja, uma indolência das entranhas tornada mau hábito basta inteiramente para transformar um gênio em algo mediano, algo 'alemão'". Hoje o rádio anunciava céu azul e sol beleza, com outras palavras, é óbvio, e o locutor sublinhava: "não há nuvens no céu", mas não é verdade. O sol é baço, corrompido por um véu diáfano a adensar-se aqui, diluir-se acolá. De todo modo não chove, não garoa, não se rompem os fios sob a fúria da tempestade e, mesmo tímida, a luz solar alegra corações. Desta vez a crônica falhou por questões de clima e, não, de computador. A tradução dos trechos citados é de Paulo Cesar Souza, na edição da Max Limonad Ltda., 1ª ed., 1985. |
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