É tempo de chuva, loção dermatológica do planeta, a lhe regar e vivificar a epiderme. Aqui, o mato se avoluma e exclui o longe. Cada brecha se fecha de novas folhas e a paisagem se torna acenos às brisas, piscadelas aos pingos. Além de loção, a chuva se faz excelente tônico capilar. O céu branco difunde luz generosa com brilhos suaves nas superfícies molhadas. O avião passa apenas som. As águas levarão as sobras do dia de eleição e os ventos a abundância de comentários, explicações e análises de mil especialistas, de vencedores e derrotados. Breve, se esquecerá a indigestão de política e de políticos, as barafundas de letras agrupadas sem um real significado, as mentiras e verdades gratuitas e, até, nomes e propinas. É como se a chuva chegasse para uma lavagem geral. Lentamente a luminosidade decresce, em gradação mais suave do que um reostato poderia. O bem-te-vi é obrigado a buscar alimento para si e para os filhotes apesar da chuvinha - não é chuva forte, apenas contínua. Deve ser mais difícil caçar sem o convite do sol a sair de casa. Imagino as cogitações de uma amiga, vendo em uma grande mobilização de multidões, como a de ontem, para votar, um significado ritualístico a transcender a escolha de políticos e governantes. Para ela, rituais são essenciais ao amálgama dos relacionamentos humanos e, quem sabe, de muitas outras espécies também. E cogito: se religiões obrigam a ir ao templo certo dia da semana, a obrigatoriedade do voto leva milhões a um mesmo gesto num mesmo momento e move, assim, além de interesses e fortunas, os subterrâneos coletivos. Nesses terremotos do inconsciente junguiano se divisariam os contornos do enorme grupo a que chamamos nação. Os pingos rareiam. Ante tanta exuberância parece possível ver o mato crescer. Tônico de pele propicia bem-estar. Clareia. |
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