Quem sabe um dia ainda conto para meus netos que existiu uma engenhosa máquina capaz de, por meio de alavancas bem calculadas, projetar uma pequena massa de metal contra uma folha de papel, mantida esticada e convenientemente posicionada contra um cilindro de borracha dura... Meu deus, como parece difícil descrever algo tão simples e corriqueiro para quem viu e usou! Mas vamos lá: ser preciso contar que na tal massa havia, moldada em relevo, uma determinada letra - aliás, duas, para ser exato: uma minúscula e outra, maiúscula - e que só uma delas entraria em contato com o papel. Entraria, pois entre ela e o papel, estrategicamente, interpunha-se uma fita do Flamengo...
Não, não é bem isso e meu neto vacila entre dois times. Creio que é Flamengo como o avô, no fundo do coração, mas os sucessos de um clube acabam por influir as decisões infantis... Às vezes, ele acha que é Botafogo...
A fita, rubro-negra, impedindo que a pequena massa de metal tocasse diretamente a folha imaculada (imaculada, ali, no exato lugar onde seria tocada) acaba por transferir para o papel a cor de sua tinta - vermelho ou preto - imprimindo a letra que a transformava num pequeno tipo na ponta de uma haste...
Repetia-se a mesma operação para cada letra e os espaços se podiam obter pelo deslocamento do cilindro com a folha de papel a ele ajustada, um dente para a esquerda, já que - ah, como poderá ser difícil explicar o universo mecânico ao jovens de amanhã! Principalmente às meninas que, via de regra, se interessam menos por carrinhos seus roncos e engrenagens... - Tudo era mecânico! De um entendimento imediato e "palpável", dir-se-ia. Como as maiúsculas estavam esculpidas acima das minúsculas, por exemplo, para escrever o texto todo em maiúsculas, bastava abaixar o conjunto de todas as alavancas com os tipos nas pontas. Pronto! Só a parte de cima de cada tipo tocaria, através da fita, o papel.
Nada DESSE MALDITO CAPS LOCK! Para simplificar as coisas, poderia usar uma imagem: um tipo de piano que, em vez de música, "toca" textos. Ou melhor: escreve. Por isso chamava-se máquina de escrever. O grande inconveniente, todos sabemos, e o gesto acabou imortalizado pelo cinema, era a dificuldade para corrigir e modificar. Não era fácil pegar uma palavra ou trecho e mudar de lugar. Por isso, era comum o escriba arrancar o papel do cilindro e amassá-lo... Além disso, o gesto, em si, era eloquente. Escrever, une atividade cerebral com atividade física desde dos famosos tabletes da Suméria. Apagar um arquivo num computador, que muitos preferem dizer "deletar", implica em mudar um único "byte". De fato, não se apaga nada, apenas deixa-se o "espaço em disco" disponível para ser usado em outra ocasião... Ao arrancar o papel da máquina de escrever saem também outros demônios, no ruído da catraca das entrelinhas, quando o rolo gira, no texto materializado em nossas mãos, que podemos amassar como quem esmaga um inseto, na bola de papel resultante, que podemos atira contra o quê ou quem quisermos!
Poderei contar que usei muito essa ferramenta, a máquina de escrever e, talvez, levar meus netos até algum museu para que possam ver uma. Contar que a primeira foi uma "Olympia", com paredes de vidro para que se pudesse ver seu mecanismo. Nela, se podia ver, também, a campânula de uma campainha, que tocava para avisar sempre que o final de uma linha se aproximava... Poderei falar das muitas máquinas de escrever que usei...
Nunca, nenhuma delas, cometeu uma operação ilegal e teve que ser fechada. Jamais tiveram problemas em arquivos de registro e começaram a me dar ordens para "salvar" isso ou aquilo. Durante anos e anos de convivência. nenhum "fatal error", nenhuma mensagem de terror. Você aperta a tecla, como um pianista, o tipo vai lá e faz o seu serviço...
Composto no Word 3.1 para DOS, num IBM AT 286 em September 6, 1998.
Publicada em 12 setembro de 1998
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