Definir o homem sempre desafiou o homem. Há tantas tentativas de definição quantos sonhos perdidos. Dostoiévisqui, por exemplo, que foi prisioneiro na Sibéria, procurou defini-lo em "Casa dos Mortos" como um animal capaz de se adaptar a tudo. E descreve um Carandiru no meio da neve, onde seria surpreendente servirem sopa sem baratas boiando.
Agora me ocorre outra miséria, tão humana - demasiado humana, diria Nietzche - que se poderia usar na definição de nossa essência fundamental, aquilo que nos distingue e separa de todo o resto, mesmo dos primos mais próximos que conhecemos, primatas, sim dona Sabrina, mas assim chamados não por causa do grau de parentesco: o homem seria o animal capaz de mentir.
É isso: impossível imaginar um cavalo, um cão ou uma sabiá a mentir. Inclusive o papagaio, que parece não ter papas na língua. Se mente, o faz por imitação, como papagaio. A mentira é privativa do homem - e da mulher, é óbvio que, aqui, é homem também! Mente-se de todo jeito: com palavras, ações, gestos, olhares, silêncios e pensamento.
Mente-se para todo mundo: para o fisco, para o guarda, para o funcionário, para a professora, para o padre, o juiz, o colega, o amigo, o pai, a mãe, o filho, a filha, a mulher, o marido a amante, o amante e, mente-se a mãe de todas as mentiras, mentimos para nós mesmos.
Tijolo por tijolo erguemos um imenso edifício de pequenas mentiras, tão humanas, que pareciam tão inócuas, inocentes, inofensivas. Agora, elas nos metem medo, pois não acreditamos mais em nada.
Todas as portas, corredores e átrios podem ser o que parecem, ou não. Todas as portas podem levar aos recintos que indicam, ou não. Não se sabe mais se as janelas mostram a vida ou um filme. Tudo pode ser e pode ser, também, que tudo seja apenas outra mentira. Fomos arquitetos e engenheiros de nosso medo.
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