autoria: José Lauro 

Mesóclises

08/12/16

Abriu o caderno e com um risco firme do lápis macio definiu iniciar-se ali o novo texto. Novo… seria possível? Percebia a imensa dificuldade de ser inédito a cada manhã. Do sono e dos sonhos emergia com a velha razão da véspera. Trazia a mente identificada com isso e aquilo, acordava cheio de rótulos: fulano de tal, brasileiro, eleitor, reservista, empregado e a "ficha corrida" se estendia vida afora ancorando-o ao que fora e já não era mais.

Seria possível? - perguntava-se diante do resto de página em branco para logo perceber repetir-se no gesto quase inconsciente de desenhar ali bobagens a esmo exatamente como fazia no ginásio, enquanto os professores falavam sobre a matéria em pauta. Mais de uma vez fora interpelado pelo mestre a supor sua desatenção, mas desenhar em nada interferia com acompanhar a lição e ele respondia corretamente para surpresa do professor...

Agora pensava "nada menos novo que estes rabiscos aqui" enquanto tentava corrigir o nariz de um rosto caricato. Olhou o desenho e este lhe pareceu sicrano, um colega de muito tempo atrás e logo reforçou um ou outro traço daquele rosto, sempre com o lápis macio.

Precisava começar, mas nada lhe apetecia. "O velho impôs-se mais uma vez" - declarou aos seus botões, já se achando repetitivo como esta imagem surrada. E, no entanto, bastar-lhe-ia um texto curto e, de pronto, a mesóclise se destacou e, ato contínuo, a imagem do Temer avultou-se como algo a temer.

O tempo escorria calado e a espera do novo sublinhava o tiquetaquear dos segundos. Nada! Ele, com o lápis quase horizontal, começou a escurecer uma ou outra parte dos desenhos enovelados e veio-lhe a lembrança de quando, diante de um repórter fotográfico com pesados equipamentos nele pendurados, pensou "quero escrever! Bastar-me-iam uma bic e um pedaço de papel"...

Fri, 9 Dec 2016 09:55:47 -0200

Também seria legal ver os desenhos...
Bjs
Ana

Ana,

Os "desenhos" estariam guardados na imaginação de cada leitor.

Na verdade, foi mais uma tentativa de escrever ficção. É claro, a cena pode ter acontecido em outros tempos e a história dos rabiscos é verídica, sempre rabisquei ao léu durante conversas ou aulas, no ginásio. Conhecei mais de uma pessoa que rabiscava enquanto falava ao telefone, aquele de outros tempos, preso por um fio. Também é verídica a súbita descoberta do enorme peso que um fotógrafo precisava carregar e a última frase da crônica, mas o resto é pura invencionice.

Não houve desenhos desta vez.


Fri, 9 Dec 2016 11:28:14 -0200

Ótima! Só uma observação: o Temer hoje é o menor dos nossos males e eu torço para que ele acerte o mais que possa e nos entregue o país para a eleição em 2018.

Grande abraço

Ebert

Ebert,

A menção ao Temer na crônica não tem absolutamente caráter político, visava apenas o calembur com o verbo temer. Decidi, em definitivo, abster-me do tema amplamente debatido e noticiado dos feitos da política.

Por outro lado, os trocadilhos e brincadeiras com as palavras me são quase irrefreáveis. Na rua, quando via pintado no chão "FORA TEMER" tinha vontade de completar "A VOLTA DA DILMA, TUDO BEM...", apenas como trocadilho.

Obrigado.


Mon, 12 Dec 2016 12:23:36 -0200

sim... os óculos já seriam suficientes para garantir uma revelação. de qualquer maneira, o vai e vem das letras também já surgiam... inéditos, digamos. de qualquer maneira, já estava ali o texto, prontinho.
Ah! Vou juntar mais um pedacinho de nada... rolando ladeira abaixo, ladeira abaixo...

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Belíssima matéria!
Meus parabéns!
O seu nada, para variar, envolve uma pequena multidão...

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