Mesóclises
08/12/16
Abriu o caderno e com um risco firme do lápis macio definiu iniciar-se ali o novo texto. Novo… seria possível? Percebia a imensa dificuldade de ser inédito a cada manhã. Do sono e dos sonhos emergia com a velha razão da véspera. Trazia a mente identificada com isso e aquilo, acordava cheio de rótulos: fulano de tal, brasileiro, eleitor, reservista, empregado e a "ficha corrida" se estendia vida afora ancorando-o ao que fora e já não era mais. Seria possível? - perguntava-se diante do resto de página em branco para logo perceber repetir-se no gesto quase inconsciente de desenhar ali bobagens a esmo exatamente como fazia no ginásio, enquanto os professores falavam sobre a matéria em pauta. Mais de uma vez fora interpelado pelo mestre a supor sua desatenção, mas desenhar em nada interferia com acompanhar a lição e ele respondia corretamente para surpresa do professor... Agora pensava "nada menos novo que estes rabiscos aqui" enquanto tentava corrigir o nariz de um rosto caricato. Olhou o desenho e este lhe pareceu sicrano, um colega de muito tempo atrás e logo reforçou um ou outro traço daquele rosto, sempre com o lápis macio. Precisava começar, mas nada lhe apetecia. "O velho impôs-se mais uma vez" - declarou aos seus botões, já se achando repetitivo como esta imagem surrada. E, no entanto, bastar-lhe-ia um texto curto e, de pronto, a mesóclise se destacou e, ato contínuo, a imagem do Temer avultou-se como algo a temer. O tempo escorria calado e a espera do novo sublinhava o tiquetaquear dos segundos. Nada! Ele, com o lápis quase horizontal, começou a escurecer uma ou outra parte dos desenhos enovelados e veio-lhe a lembrança de quando, diante de um repórter fotográfico com pesados equipamentos nele pendurados, pensou "quero escrever! Bastar-me-iam uma bic e um pedaço de papel"... |
Fri, 9 Dec 2016 09:55:47 -0200 Também seria legal ver os desenhos... Ana, Fri, 9 Dec 2016 11:28:14 -0200 Ótima! Só uma observação: o Temer hoje é o menor dos nossos males e eu torço para que ele acerte o mais que possa e nos entregue o país para a eleição em 2018. Ebert, Mon, 12 Dec 2016 12:23:36 -0200 sim... os óculos já seriam suficientes para garantir uma revelação. de qualquer maneira, o vai e vem das letras também já surgiam... inéditos, digamos. de qualquer maneira, já estava ali o texto, prontinho. sem assinatura Belíssima matéria! |
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