autoria: José Lauro

Militina

10/08/16

Encontro anotações de vinte anos atrás, geradas em editores de texto incipientes operados pelo DOS. Parece faltarem ali pedaços, trechos talvez perdidos em sucessivas transferências entre computadores, mas gosto de alguns aspectos da tentativa de ficção, malograda como sempre.

Ocorreu-me, de início, remendar o achado, corrigir eventuais deslizes e, principalmente, preencher os "buracos" em favor da coerência. Depois, disse a mim mesmo: publique-se como está, ora pois! Quão difícil a tão propalada transparência!

Seja como fragmento arqueológico ou um exemplar extraviado, empoeirado e inútil de museu, trago à leitora e ao leitor o trecho posto pelo acaso, ontem, em minhas mãos:

"Paravam de vez em quando na descida íngreme do fim certo para verificar se não se enganavam com aparências e, em seus cuidados, a velha se punha a trançar os cabelos lisos e longos da neta.

Seguiam para o futuro, um futuro baço, de memória difusa para decifrar de que, além de ossos, se estratificam os pilares a sustentar a sociedade dos homens enquanto os séculos se empilham.

Iam alheias a eventuais cataclismos e ao ônus de tanto saber.

A velha afirmava ser todo saber acumulado como concha de caracol: morada útil, mas um estorvo no ir e vir.

Foi quando veio a visão dos tempos invertidos e sua neta lhe pareceu uma anciã de olhar manso e luminoso.

Militina repetiu pela vida afora, aparentemente desde de que nascera, ser o maior problema da humanidade mudar qualquer coisa de lugar - transportar, mandar, levar ou ir - eis o problema, dizia a cozinheira, por isto, Cosme, meu neto, jogue fora todo saber que não servir logo para usar.

Se deixar acumular na alma, é pior que poeira. E quando Cosme lhe perguntava o que era alma, ela zangava, mas saía-se com um não sei mais, joguei fora pois nunca me adiantou saber."

Wed, 10 Aug 2016 11:48:37 -0300

Bonito, gostei muito!
Bjs
Ana

Eu também, mas sou o mais suspeito.
Militina era o nome da empregada de minha avó árabe, trazida do Maranhão... Responsável pelos melhores quibes de minha vida...


Wed, 10 Aug 2016 09:13:42 -0700 (PDT)

que maximo!
tudo ... o futuro de memoria ... o tempo aberto, sem passado, presente e futuro

claro q corri pra ler a croniquim por causa do nome, Militina ... o q serah q vc teria a nos contar sobre ela

eh verdade o q vc colocou na boca da Militina ... o q ela disse sobre ir e vir, saber inutil, neto .. Cosme ?

bjs

      sem assinatura

Não, tudo ficção. Por isto virou fóssil nesse mundo impalpável das memórias digitais. Os programas modernos decifram sem esforço escritos que antes transformavam-se em hieróglifos. Da militina lembro bem dos quibes e de papai contar que, no Maranhão, eram feitos por ela no pilão...


Thu, 11 Aug 2016 16:55:48 -0300

Adorei a última frase:

"Joguei fora pois nunca me adiantou saber".

      sem assinatura

E não é?
Quantas vezes o saber atrapalha em vez de ajudar...


Date: Sat, 13 Aug 2016 00:15:45 -0300

que máximo!!!! Vibrei quando vi o título, adoro este nome e queria ler o que você diria sobre a Militina. Mas é só um personagem aqui, sem conexão com a "nossa" Militina? Seja o que for, adorei.
Agora me conte o que você sabe da Militina de carne e osso. Eu gostava dela.

      sem assinatura

Sei que fazia os melhores quibes que já comi (imagine, melhores do que os seus!), com aquele formato achatado, de disco voador e um recheio de carne e cebola PICADAS e fritas... Ela veio com vovó e vovô do Maranhão e, papai dizia que lá o quibe era moído no pilão...

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