Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

Nacos de paisagem

26-07-07

Por brechas das nuvens colore o sol nacos de uma paisagem tracejada de vento forte contra céu de chumbo. É julho ainda e se faz outubro aos olhos.

Em pouco, nuvem mais escura apaga tudo e, mais forte, o vento muda imagem em som. Faz do surdo, cego ao desvendar notas diferentes em cada fresta e ao apitar em cada toco de bambu em cada toco e, em toque sutis, bate o que pode, um contra outro do que alcança e roça folhas em marulhares mis sem mares.

Curva-se a Zéfiro também o bambuzal. Ora geme como amarra que maré estica, de embarcação presa ao cais, quando se esfregam os talos imensos, ora ecoa qual tímpanos afinados ao se chocarem, ocos, estes talos agigantados.

Passa um bem-te-vi. Pousa baixo, no mato crescido. No vôo, um pio aflito - assim mo pareceu. O vento continua a açoitar a natureza em melodias difíceis de decifrar. A luz vacila. Vai e vem como as ramagens, os galhos últimos, no farfalhar de folhas que ainda não caíram e outras que há pouco inauguraram o verdejar. O bem-te-vi volta a chamar - chamar? Que diria a ave, que não se pode adivinhar?

Assim açoitada, a natureza varre nuvens e, aos poucos, descortina o azul. Por fim, a orquestra cala. Mais e mais o ar se limpa. Esfria. O sol está do lado de lá, além do equador e só nos pega de raspão a alongar sombras e esbater contornos em suaves difrações. O céu se limpa até um azul claro, transparente, frio - ou seria o frio que assim me faz adjetivar?

A natureza pinta, esculpe, compõe, canta e toca, abre cortinas e as fecha, muda a cena, a ilumina com raios e estrelas. Há milênios reinventa espetáculos, mas é o homem que diz espetáculo ou vida ou lhe empresta divindade e atribui adjetivos.

Disse a amiga, sobre outro show, é verdade, mas lhe peço emprestadas as palavras para fechar aqui: "E ainda há quem diga que a arte é inútil."

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