desenho de MIMA no fim cada mania acha seu louco

Nostalgia

13/10/08

Fina camada de nuvens vela a abóbada, ora mais tênue, ora mais opaca e a luz solar vacila como se um bêbedo ou gozador comandasse o reostato. Concomitante, a paisagem nos sorri ou se ensombra. Alheios, batalhões de formigas desfilam nos ramos caídos e trincheiras cavadas num ir e vir com e sem nacos de folhas. À amoreira e ao caquizeiro restam poucas folhas inteiras. As formigas deixam apenas a nervura central de cada uma e desenham, assim, um estranho vegetal.

A luz oscilante e a brisa úmida me evocam cena remota e misteriosa. Por que me vejo criança, sentado à cabeceira, na sala de jantar, a contemplar a capa dura de um livro - para crianças? para adolescentes? - revestida com uma imagem - um desenho - de uma paisagem campestre vista do alto e a se estender morro abaixo até onde vista não pode alcançar?

Tal imagem, de um lugar existente, quiçá, apenas na imaginação de um desenhista, produziu uma sensação tão vívida capaz de persistir na memória ainda hoje, meio século depois. Não posso descrever com precisão um sentimento tão antigo, mas pareceu-me caber esta definição primeira de nostalgia: 'melancolia profunda causada pelo afastamento da terra natal'.

De fato, me pareceu familiar aquele lugar de ficção e capaz de provocar um aperto por não estar lá. Quem sabe o nome do livro tivesse influência, então: "Saudade", me lembro bem.

Agora, esgarça-se o véu de noiva e o céu, enfim, assume tonalidades que se podem dizer azuis, pálido azul, ainda, mas com a promessa, já, de um dia ensolarado.

A emoção é enigmática, a mata virgem de nosso ser. Suas raízes vão mais fundo no que não sabemos dizer. Um filhote de pomba-verdadeira, com as penas do dorso do pescoço arrancadas, balançava a cabeça para frente e para trás, como qualquer pombo e tinha no olhar a inocência e candura dos jovens...

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