Os jogos olímpicos se aproximam no calendário e no noticiário. Jornalistas buscam com afinco um ponto de vista privilegiado para abordar o assunto batido, repisado dia após dia em crescente exaltação. Tema a convocar uma multidão mundial à chamada Cidade Maravilhosa, com sua natureza talhada em duro granito onde o contraste brutal de opulência e miséria se esparrama entre belas pedras.
Fala-se de possível herança para os cariocas, especula-se sobre o risco de atentados terroristas importados e da habitual violência local, discute-se o uso de drogas pelos concorrentes, contam-se escândalos de competições passadas e ressuscitam-se recordes e feitos heróicos, tudo a realimentar a excitação dos noticiaristas conforme se aproxima a hora de jogos e lutas.
Todavia, permanece intocado um ponto axial, passível de questionamento em qualquer competição. Ninguém se pergunta por que competir? Um congraçamento de tamanha amplitude, a carrear pessoas de tantas e tão remotas partes do mundo, capaz de reunir povos de hábitos tão diferentes, provenientes de condições climáticas antagônicas, dos limites da vida no planeta e o propósito é opor um ao outro, medir esta ou aquela competência, habilidade; lançar em arena tantos irmãos na disputa de um laurel, uma coroa de louros, uma insígnia qualquer a dividir e opor os competidores, tudo a estimular a segregação, o combate, a divisão em lugar da união de todos, absolutamente irmãos como a genética já demonstrou.
tocha olímpica em Porto Alegre
A ideia de instrumento da evolução como justificativa para disputar e competir me parece anacrônica aplicada a um animal no patamar conquistado pelo atual homo sapiens, cada vez mais senhor do saber e da matéria, do mundo subatômico ao espaço sideral. O desconhecido permanece nas próprias entranhas e, como os jogos, desde a Grécia antiga.
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Fri, 8 Jul 2016 10:02:12 -0300
Duas coisas que me ocorreram:
Desde criança sempre tive dificuldade de competir - em qualquer coisa, de jogos de tabuleiro e baralho até esportes, principalmente os de equipe.
Se perdia, me chateava; se ganhava (mais raro, principalmente em esportes), ficava desconfortável por causa do perdedor... Decidi não fazer o concurso de titular na USP porque só havia uma vaga e eu iria competir com colegas seniores que foram meus professores (aliás, um destes, uma pessoa muito querida que já morreu, retirou sua inscrição já feita em uma ocasião anterior porque iria competir com um colega e amigo mais velho, e tinha muita chance de ganhar. Esperou outra ocasião).
Sob várias perspectivas, isso seria um defeito: falta de espírito esportivo? Fraqueza?
O curioso é que gosto de alguns esportes (para assistir): ginástica olímpica, vôlei, tênis... Admiro a habilidade física, a mágica dos movimentos que parecem impossíveis para o corpo... Gosto menos dos que envolvem algum nível de brutalidade (aqui os campeões são lutas - sempre detestei box e luta livre, futebol americano e semelhantes - não dá nem pra assistir). E futebol, basquete, esses até assisto se for final pelo Brasil...
Mas quanto à nossa irmandade genética, acho que tem alguns limites biológicos. Amar o próximo é psicobiologicamente (o VOLP dá sem hífen, mas o computador parece que não sabe disso) mais fácil quando o próximo é próximo mesmo; somos seres de vínculo, não somos promíscuos - embora a gente possa - e deva, ideologicamente - somos capazes disso) respeitar indiscriminadamente qualquer outro ser humano - até mesmo os bandidos, os terroristas e por aí afora, se der pra entender um pouco seus motivos.
Já com corruptos é mais difícil ter tolerância...
E, nessa perspectiva, talvez o esporte funcione como uma válvula de escape para a violência mais violenta (os gregos paravam as guerras entre cidades durante as Olimpíadas) e a segregação - viva os corredores africanos! Viva os campeões subdesenvolvidos (palavra fora de moda,,,). É pena que, nos tempos modernos, há tantos próximos menos próximos que as Olimpíadas e outros eventos teoricamente de confraternização também podem ser palco de violência... Ou serem suspensas, como durante das grandes guerras)
Bjs
Ana
Ana,
Obrigado pela aula que muito aprofunda minha anotações.
Compartilho de "sua dificuldade". No geral, nunca gostei de competições (gostava de um joguinho de palavras cruzadas, de tabuleiro, com letras em peças de madeira).
A competição esportiva me parece saudável e aceitável quando o esporte é importante e o competir secundário. Existe um outro ingrediente nos esportes, hoje em dia, a complicar muito mais as coisas: o dinheiro. Tanto nas apostas como nas remunerações de atletas e treinadores, alguns já milionários no começo da juventude. Onde corre muito dinheiro o campo é fértil para todo tipo de trapaça.
Admirar a habilidade física e a graça dos movimentos deve ter estado na origem dos jogos e competições esportivas e o fato de nos encantar não se torna um estímulo a disputas e antagonismos predatórios, me parece.
Acabaremos todos assistindo um ou outro pedaço do jogos olímpicos, inclusive por falta de opção. Acho que quis apenas assinalar não existir um empenho igual para irmanar as pessoas.
Sei como é difícil olhar todos como irmãos, isto é uma ideia, um ideal, mas as emoções não se importam com opiniões da razão.
O homem preserva sua barbaridade.
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Somos um bicho esquisito, ao mesmo tempo maravilhoso e abominável.
Fri, 8 Jul 2016 15:21:43 -0300
... afinal, o bicho homem é o mesmo faz muuuuito tempo, né? o jeito é, de novo, repetir. lá vem o Sr. Mais do Mesmo se apresenta...
sem assinatura
Desta vez o senhor Mais do Mesmo descolou um senhor anfitrião!
Sat, 9 Jul 2016 10:38:29 -0300
a olimpíada traz a ideia contrária, acho: de união de pessoas diferentes, de diversos lugares, em torno dos jogos. Ou: é essa a ideia que se procura incutir? sei lá.
sem assinatura
Sim, a olimpíada traz uma idéia de congrassamento, mas reúne as pessoa para disputas, que opõem uns aos outros.
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